sexta-feira, 27 de maio de 2011

O estacionamento

Cena de qualquer filme, estacionamento semi-vazio num fim de tarde meio azul, meio alaranjado, céu pegando fogo e o Shades of Deep Purple já está em Help.
Carro sim, carro não formando um desenho com lacunas a serem preenchidas, mas é feriado.
O estacionamento está fechado, e lá está ela com um aviso de ticket vencido. Multas e juros pelo atraso. Arquitetando um plano para sair, mas parece sem jeito. Destruindo as cancelas, que, sem energia não se movimentam ao seu toque? Com a bateria pelas tabelas, precisando pegar no tranco?
E agora, mulher, pra que tu foi deixar essa memória aí, estacionada, cheia de falhas, cheia de saudade dos antigos caminhos? De andar sem ninguém, sem gasolina e a pé. Aquela vida solitária tão plena, o embrulho no estômago ao pieguismo. Das meditações, você e você, não que agora seja diferente, mas cadê sua tão valorizada suficiência? Desvirtuada, procurando causar acasos?
Um velho autor me disse uma vez que o valor da coincidência é inversamente proporcional à sua probabilidade, ou algo assim. Adormeceu no volante?
Está se dando conta do tempo misturando tudo, como aqueles restos da festa de ontem? Sem sabor fresco, sem noção do que tem ali, sem divisão no prato.
E a conta do estacionamento?
Cada vez que você tenta sair dessa inércia, cada dia que passa é somente um, mas são horas, minutos, relâmpagos e você é cobrada pelo que não muda, seus juros são por não fazer nada e sua multa é somente pelo excesso de baixa velocidade. É tão bonito assim, vendo de fora, e percebendo que o objeto inflacionado é só algo abstrato. E são vários, acumulados, dívida enorme.
São tempos difíceis para desafortunados, minha cara.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

O quando virá

Virá a noite, virão os dias e verão de dia no verão ou em qualquer outra, quente, fria, chuvosa o que me prometi. Virá quando o quando vier, quando me virar completamente sem te mirar e sem mudar estarei aqui quando o segundo vier. Estarei radiante, verei o decreto da paz anunciada daquele que quando voou leve, pairou, dançou e se alçou. Sutil compasso, seja ego, eu, egoísta, sobriedade, idade frágil. Fugacidade, peso liberto no quando, futuro escuro, nada em cima do muro soube fazer questão de si. Quando não escolhi nada, nem colhi, mas vi, vivi, delírio sobre três ou quatro quandos, espaçados e despedaçados incuravelmente sensatos, pensados, retraídos, comprimidos, temo esses quadros. Ladras, mas como cão covarde quando quer assustar, não dá efeito, mal feito, imperfeito, não é teu jeito. Mando, envio alguma coisa, não quis pedir bis de tais canções, as mesmas, eu ouço e reescrevo menções que imitas, ou incitas, cada vez que levitas igual a mim. Mas o quando virá, novamente, não o deixo passar, lá d'onde chorar é doce, lembrar é agridoce, encontro é café com adoçante, lua cheia não é irritante. Virá, como frio brando sobre o tempo sussurrando: eis-me aqui, o quando, enquanto passado, à sua disposição.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Capiō

Quarta simpática
Sorri de longe
Quarta-feira e eira
Adorno, riqueza
Cabelos, outra fileira
Camuflas confuso
Raio não difuso
Trocado
Percebo, mas calo
E sem despedida
Sem vida
Vira apática
Sem eira, e beira de olho
Apática quarta-feira
Quiçá te escolho.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Inocência (in)comedida

Por desconhecido descuido. Não hei de contar-lhes todos os meus pensamentos de uma vez para não parecer cruel, por mais que tudo o que se parece é menos do que realmente é. Eu me encontro adjetivando paredes mal pintadas, fotos camufladas em álbuns digitais, a forma de segurar uma caneta, a ausência de sono, olhar torto, o insulto, o empurrão. E eu encaro tudo indiferente e, ao mesmo tempo, valoriza-se para mim com um preço nulo.
Quando resolvem estudar sobre máquinas, credo, pergunto-me: alguém já descobriu o homem? Tem ideia da inocência presente na maldade? Na hostilidade? O que eu vejo é tão inocente e comum que a cada dia luto para não me deixar acostumar e tento continuar a surpreender-me com esses pontos.
Pontos estes, horríveis por sinal, que belisca cada ferida e torna a dor a salvação da vida de alguém. Gente precisa disso pra viver? Precisa. Gente precisa mostrar que está com os lábios e unhas arroxeados para mostrar que está com frio? Não precisa. Percebe a sutileza? Percebe a linha separatória entre os bons e maus adjetivos? Tudo nos caracteriza, mas nem tudo queremos que salte aos olhos.
Foi-se o tempo em que eu achava que a inocência tinha acabado. Ela foi pescada e ressurgiu com tamanha dimensão e virilidade que mudou até de nome, de consequência. De tão súbita aparição, deixou cair em terra um significado, perdendo-o. Estou assustada com tamanha inocência humana perante o outro. Tamanha ausência de culpa em seus atos. Tamanho bom julgamento da prática do mal. Talvez salvarão a inocência dela mesma, um dia, tal como este totalmente descrente de algum progresso real.
Eu ouso lucidamente informá-los que esse dia está bastante remoto.
Não hei de contar-lhes todos os meus pensamentos porque eu não quero parecer inocente. Porque eu não quero que padeça sobre mim essa ausência de peso. Mas sim que pese em todos e que fira orgulhos por aí afora quando ninguém suportar mais.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Reforma

Mal edificado e frágil
Ultrapassado, tão bambo
Cai, espalhado
Acortinando fumaça e só
Que vento dissipa e suja

Mas por entre os entulhos
D'outra construção
Veio-me um tijolo perfeito,
Perdido na esquina, sem dono
Que fez o ridículo à toda
Sua grande propriedade

Que revitalizem você
Longe, no breu
Longe d'ele e eu
Ou alto d'onde eu, tijolo
Possa fazer mais ele
Dois tijolos caminhos
N'um só caminho rasteiro