segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

-ssemos

imagina se pudéssemos escrever sobre as coisas simples? 
sobre o passarinho que desenha sua rota no ar? 
as pequenas flores dos canteiros? 
imagina se tivéssemos que ter escrito "eles passarão, eu passarinho"? quintana é o gênio, nós estamos nos afundando... 
se escrevêssemos sobre flor seria da rafflesia arnoldii 
se fosse de pássaros seria de qualquer espécie no mínimo estranha. 
se escrevêssemos não para constituir versos ou rimas.
se nos identificássemos. se nos encontrássemos.
e misturássemos os rascunhos deixados de lado por aparentarem o ridículo intrínseco da alma. 
criássemos nova literatura;
saíssemos nos deleitar com toda a estranhice
que é a calmaria
a calmaria é o estranho do mundo
imagina se bebêssemos
todas as safras de vinho
e morrêssemos sorrindo
se comungássemos o nosso corpo
tão batido e conhecido por nós
imagina se ultrapassássemos essa instância
essa distância
esses versos
essa vida


e escrevêssemos o que imaginássemos

...

triunfaríamos...

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

ando com roupas
cobertas de vaidade
vulgar Afrodite
nisto, sou mulher

nos bons dias
gostaria de não vestir
o olhar de alguém
nisto, sou vulgar

então, quando penso
finjo criar condição
de dar forma à escrita
nisto, sou aqui
resultado de um
barulho nas costas
nos braços, em torno
d'um intrínseco e
descompreensivo,
fiasco.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Abri uma cerveja hoje. Bem sozinha em casa, com companhias em perspectiva mas, a opção mais sensata é a de estar sozinha. Então, abro aquela cerveja  tempos mofada da geladeira. Cerveja comprada para se dividir, não pra se embriagar, nem pra viajar. Se existe categorias divididas por quantidade de cerveja, essa estaria incluída na de apenas relaxar. Dar sono. Mas não pude dividir, não pude compartilhar o pão. Sem querer, embriaguei-me. Também não com gosto de loucura, não foi disso. Chorar sozinha também é questão de loucura, se pensarmos bem. Mas não foi. Eu vario das ideias, como diz minha mãe  Neste fatídico dia, a cerveja estava com gosto de saudade. Arrebatadora e cruel. Assim, pude esboçar uns versos, que foram esses;

a lucidez no copo
polarizada 

o amor em cheque
inimigo

o estouro das pálpebras
salgado

a consciência louca
algazarra

o verbo ambíguo
apaziguar

a ebriedade mórbida
cerveja

ele não sabia
mas ele tinha que saber


Depois dessa, eu preciso adormecer... 

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

há muito não escrevo
nem o "a" letra
nem o verbo
nem o sono que levo

muda dos dedos
mente (tranc)afiada
'tou cansada
dos pelegos

eles são as rimas
a
pantomima
a

morfologia
sem nenhuma
analogia

fina
que me faça
continuar

assim,
falta-me o ar
e, sem ar não há
o a

(lfabeto)

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Aspas

Olhos no teto, a nudez dentro do quarto; róseo, azul ou violáceo, o quarto é inviolável; o quarto é individual, é um mundo, quarto catedral, onde, nos intervalos da angústia, se colhe, de um áspero caule, na palma da mão, a rosa branca do desespero, pois entre os objetos que o quarto consagra estão primeiro os objetos do corpo.


Raduan Nassar, Lavoura Arcaica p.7

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Aspas

Muros 

Sem piedade e sem pudor, sem dó e sem cuidado
à minha volta espessos muros tão altos quem teceu?

E eis-me agora aqui na sorte a que fui dado,

em mais não penso: não me sai da ideia o que aconteceu.

Lá fora há tanto que fazer - tanto ruído!

E, se estes muros construíram, porque não dei por tal?

Não ouvi de pedreiro nem voz nem ruído

E sem saber fiquei fechado, sem vista e sem portal.



(Konstantinos Kaváfis)

haikais


I
natureza lenta
no leve sono diário
de vida desperta


II
céu retangular
sala de espera abafada
jardim trepadeira


III
flores invisíveis
virtuais e coloridas
borboletas mortas


IV
cana-de-açúcar
incendiária do corpo
doce desperdício


V
células humanas
há décadas recicladas
como todo lixo


VI
raiz principal
de prática não pensada
sobre um poste elétrico




*inspirado no filme waking life, de richard linklater

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Primavera do fim dos ventos

Do fim dos tempos
Profecia cantada como mantra
De setembro ao calor
Às flores, doce vozear

Organismos puros
Tocados de sensações
Herdeiros do inverno
Corredores no ar

Humanos e as ideias
Correntes, vertentes
Fluentes do verbo
Polinizar

Sejam as ideias assim
O lado másculo,
Da formosa e imaculada,
À terra fecundar

domingo, 2 de setembro de 2012

Sem título

Eis que o vinho nacional
Verte como resposta:
Escreves para matar,
Lês para morrer

Dá-me, música, a calma
Que hoje eu preciso de mim
Visto que a alma talha
E a mente finda

Mas, da enganação
Não me objecto
Posto que continuo a escrever
Com o medo coeso

E avanço assim
Com desejo arredio
Aos dias vindouros
Meu devir infecto

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

conto desfeito

não é a cama
que jaz desfeita
é o conto
que me escreves

longe ser o franco
autor, o feroz
amor, bagatela
de atenção

é o teu desespero
exibicionista
que cava sulcos
de cólera em mim

não haverão mais
contos, gana,
eu e a conhecida
doença da mudez

então, cantarei odes
ao esquecimento
e no mais alto tom
à liberdade

domingo, 29 de julho de 2012

dependência

(título)
espuma dourada
mero sibilar
pé da escada
quieto revelar

(digestão)
pronta admissão
remorso à vista
calma infusão
revés realista

fim

Crônica de portão

Os ventos sacodem os portões. Ora quente, ora frio na esquina, todas as casas tem portão. São os tempos atuais, em sua maioria, que reclamam mais de um. A qualquer hora haverá, então, um fechado, outros abertos. Vários entreabertos. Quando pensas em sair, certamente espera a calmaria da rua. A ventura deriva dessa expectativa. Às duas, na madrugada, garanto uma ligação. Martelo sob o banco não é suficiente.

- Aguardo-te na esquina, duas ruas acima do canal.

Ao meu lacaio informo. Ei-lo, então, com a sua sirene, o barulho o qual me foge o terror. A falsa cura do tumor que cresce no homem, segurança, o medo. Os portões reverberam o vacilo do som, a mistura com os sonhos da ancestral tradição. Foi aqui, embora possam crer em um blefe, que pude presenciar a dança dos portões. Verdadeira ópera, deveras tensa. Ao me deparar com a cena, senti algo correr na veia. Adrenalina responsável pelo seu abrir e fechar. Deslizas como cisne sobre um espelho d'água. Prepara as brechas para as despedidas quentes. Sinto, pelos companheiros aspirantes a cosmopolitas. Sonhadores com vilas de muros baixos, ou nem isso. Encontrei um motivo pulsante de observar a rua. Atentar algo de vida no mais insípido paralelepípedo. A ansiedade do "abre-alas", no ocaso, na madrugada. O lado de fora do portão.

- Já estou dentro.

Notifico minha própria consciência. Num desenfreado encerrar de possibilidades. A espera, do outro lado, de algo surpreendente que não acontece. Me despeço da vida, do olhar virgem a essa rua. Olhar pra cima e ver o ninho de gato o qual dependo para escrever essa crônica. Essa esquina, essa novidade, que recompensa quem não sabe mais o que fazer.

terça-feira, 10 de julho de 2012

haikai

três linhas a ti
como uma semente verve
jabuticabeira

crepúsculo da calçada

suponho que
sob a marquise
dormem

automóveis
homens e carros
imóveis
chão e cada

sem casas
loja de departamento

com a sombra
da garantia
à languidez
presente
e compartilhada

comigo que,
sob um teto,
descanso

segunda-feira, 2 de julho de 2012

hodiernus I

os rios estão distantes
e ainda oscilantes
cambaleamos

sem travessia
sem retórica
sem agrado

nossa maioria
não admirado
e habituado
sem romaria

vida de humano
de dor fulgurante
quão abundante
engano

sábado, 30 de junho de 2012

A Alberto Caeiro

Diante do barulho confuso
dessa Lisboa de pedra
a canção desse café Luso
escorre pela sua janela

De fora, o observo
com seu ar descansado
a voz que canta o verbo
parece tua, sobre teu fado

Então, faz-me uma serenata
como a que lhe venho dar?
doce e fresca como a mata
que irá se inundar

Será a fonte tuas papilas
que de sensíveis não se conterão
perdendo no caminho da saliva
esse pedaço de paixão

E, por fim, se desmancha
nessa onda de calor
causada pela dança
dessa serenata de amor

domingo, 10 de junho de 2012

Íncubo

me beijam
todos os espíritos malignos,
que me libertam,
os gênios ruins

(me chutam os que
me amam e
me geraram)

o gene ruim

continuam a me beijar
em alma
os piores silêncios
da mais cruel

loucura

(deles)
rechaço-me inteira

quarta-feira, 6 de junho de 2012

colo

eu melhoro quando
vigorosa a chuva cai
e os bocais cedem à força
como se viessem a mim

os respingos...
brilho de madrepérola

a lua apavora
corrói meus demônios
destaca mutilações
aguça o pesar

os brilhos...
fulgor da lapidação

isso, um violento arrancar
da minha, há muito, solitude
e substituindo meu suicídio
pelo seu colo

o pão...
preciosa gema, comunhão

domingo, 13 de maio de 2012

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Ela ficou para trás

é tirol, ao meio dia
recosta-se sobre o assento:
a vista o seu regaço

o vermelho dura quarenta
longos segundos
eu a observo, mas parto

ela fica pra trás
por mais infinitos
dois segundos de cansaço

ela fica paulatina
conduzindo cabisbaixa
cismada a jogar-se de seu terraço

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Gás Nobre

eu, no limiar
de maiores deleites
e dos piores temores
também estou lá

como quem sobrenada
sob a superfície
sendo meu lençol
o espelho d'água

anseio impelir-me ao fundo
e captar do escuro
o qual faço parte
meu arbítrio para o mundo

sexta-feira, 4 de maio de 2012

debaixo d'água

sutil e terno
como tentáculos
do polvo que,
quando me dissera
o quão parecido
era consigo
quanto aos 3 corações,
eu pude entender
claramente, por fim
sua metáfora
comigo

sobre-óculos

envolta mente
marrom, ágata virgem
nasço das lentes

Paradigma do sufoco

adormeço lacrimejando
antes fosse de bocejar
com olhos fundos
despertei, convivi
e, a cada encontro
com meu reflexo
de soslaio ou por inteiro
eu estava bela
como há tempos não reparara
escovei os dentes chorando
num movimento melancólico
a escova, a pasta e,
sobretudo os dentes,
cantaram-me:
"- Mas por que estás assim?
com seu alforje de mágoas
tão carregado, se teu luto
já devia ter passado?"
com os equipamentos cantantes
em seus suportes, pasta e escova
seguros de suas utilidades
dei-me conta que era
meu único estigma
o desamparo
perante mim mesma
Freud errou na previsão
meu luto não passou
agora já não choro
mas não confio
que tal intervalo
dure mais que esse
ou talvez esse
estalo ou esse
verso

terça-feira, 27 de março de 2012

segunda-feira, 26 de março de 2012

Com carinho, sua

meu
bem,
não posso falar
das minhas loucuras
que pensei em machucá-lo
só para ver-te lento e cabisbaixo
que esse é meu torpe fetiche:
nos dificultar o amor
pois tristemente
bem me faz
você não
estar
bem

domingo, 25 de março de 2012

Eu não posso comigo

ouço Tchaikovsky repetidamente
e me dói suas valsas
pras flores, pros cisnes, pouco importa
perfura minha cabeça
- não é dor, pobre ignorante
o corpo está são e repousado

lamento não conseguir
diferenciar dor de tristeza
tristeza não causa dor
causa explosão
e sensibilidade comigo
acima de tudo, comigo

destarte, sou culpado
e a culpa é sempre castigada
por quem mais,
nessa teia labiríntica da vida
eu me compadeceria
senão a mim?

sou da pior espécie
de ser humano vivente
sinto-me pena
não de leveza, mas de fracasso
não por não poder
e sim por não querer

quinta-feira, 22 de março de 2012

Dez e tez da noite

o sabor do vinho que traguei
foi de ar umedecido
pela expectativa
do que me era devido
sendo privada
assim, descarada
a zerada medida
comecei e findei

(coitada
interrompida
papila
nada gustativa)

quarta-feira, 7 de março de 2012

Subvivência defensiva

não morrer seria
consequência exclusiva
de não escolher
calcar a praga notívaga
que rodeia seu bidê

bater em falso o pé
no gélido ladrilho
para distraí-la
na escapatória, o rastilho
daquelas patas ligeiras

(ante o suicídio
eu fico com sono)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

2 a.m.

o sino das 2 a.m
soa sempre mais
forte, ecoa mais
tempo, ofende tanto
silêncio, quanto mais
eu

fala a insônia por ser
preenchida, e sem
solitude, com tantas
paredes, maltrata

a mente

o sino das duas uma
ou anti-júbilo
ou pró-caos
é o sino que, aqui
fugindo, ali
abafando, eu
escuto