quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

espósito

eis a frase que vem
neste lapso de sono
durmo e talvez como
sei e talvez nem

anoto como benjamin
sobre o que irene vê
é apenas para fazer
"temo" foi dele
"guerra" foi meu

e ainda teve um a mais
"no santuário"
espósito
você não pensou
que seria de propósito?

um a e eis tua poesia
e qual letra é a minha?
guerra no santuário
serei sempre o solitário
ou talvez uma rainha?

ná.

tou meio assim
marrom
sem a palavra una
om

sem a palavra nua
mar
que é meio assim
na

dar o que nem sei
planta
sem que assim seja
tanta

manta
que se dá
e ná.

sábado, 23 de novembro de 2013

the end

me estranhei com o papel
eu sei, é cruel
então por aqui findo
e faz um dia lindo

Inverno, Adriana Calcanhotto


"Lá mesmo esqueci que o destino
Sempre me quis só
No deserto sem saudade, sem remorso só
Sem amarras, barco embriagado ao mar"

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

terça-feira, 5 de novembro de 2013

poema de amor: só amanhã

ao lado incessante
um telefone toca
eu tenho pena

desaventurado
enquanto escrevo
trabalho 

de amor num poema
eu moldava para não
ser mal dito

mas hoje não deu
desculp'eu
hoje hesito

O pôster dos Beatles

O pôster dos Beatles quase não me deixa dormir. Sobre meus livros encaixotados e preso em um quadro herdado. Ventilador soa mal quando, de encontro com folhas, as faz se mexerem. Tudo isso é no contra-turno comercial, quando já próximo ao despertar, pelo tempo escoado pelos minutos letárgicos de fazê-lo parar. A preguiça que alimenta imobilidades quaisquer, a não ser o virar de cabeça. Enquanto isso, adormecer se torna novela em seu último capítulo: um drama à parte. 

O pôster dos Beatles, aquele que nunca emoldurei (pobre Ringo, George, Paul e John). Que, de marcas amassadas, está cheio. Ontem quase não me deixou dormir. Falando em dormir, coisa rara nesses tempos, há alguns minutos bastava a visão de uma rede para eu adormecer. 

A letargia infantil, mote de qualquer ser grande, dormir como anjo. Vejo bebês adormecendo dentro dos carros, nos colos em fila de banco barulhento. Vejo amigos cheio de olheiras por mais de um dia sem um cochilo sequer. Vejo que o pôster dos Beatles me manteve acordada. Não vejo muito bem o porquê de sons tão amigáveis não me fazeram pregar os olhos. Vejo minha imobilidade como proposital, neste caso.

O pôster dos Beatles que eu nunca mais vou emoldurar. Nem pregar na parede com tanto orgulho. Pôster que fez meu inferno, com pessoas que já me iluminaram. Preguiça que toma pelos pés a esperança. Preguiça que contamina não só eu ao dormir. Pena que eu não dormi.
Todo mundo tem um pôster.
Dos Beatles ou dos Novos Baianos.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

o que não dá pra negar

o que não dá pra negar
condição constitutiva
diferenciável
sexo feminino
que se opõe a algo
hormonalmente altiva

o que deve-se dissimular
o som do queixume
ao entediado homem
sexo masculino
que corre no fluxo do belo
vacila e sucumbe

onde eu devo parar,
sendo o caso de vaidade
salva e devasta
o sexo que tanto faz,
ler as obrigações no céu
ou dormir uma infinidade?

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

a calma (vovô)

meu avô é o sábio
que enlouqueceu
apesar da ignorância
sabe o que se deu

ontem me falou
sobre ter que se desligar
mas eu pouco entendi cá
"tem que vortá ao naturar"

me perdoe, vovô
rezaremos mais dois mistérios
mas agora me vou
e então lhe falo sério

a salve rainha é extensa
o credo talvez menos
enquanto ouço, não rezo
enquanto falas, eu penso

na cantiga de ontem
que não ouço mais as notas
a lucidez bate na porta
é o carma do homem

"é a carma do homi
que vigora no instante
em que nós se apavora
que me cura e se some"

meu avô, eu lhe entendo
agora que você vai
volta pra casa em paz
que a calma eu vou mantendo

haikai o voo

o que fiz é fato
sobre voar, mas por dentro
e caí em silêncio

haikai*

amar é nutrir
retroalimentação
seiva elaborada

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

quando me vejo

quando me vejo
tão fora de mim
o que isso quer dizer?

que quero voltar
quero voar, forçar a nadar
me atravessar
baixar as vozes
sentar e pensar
refazer um ser
sozinho
sabido que o se
é sim e que o sim
é talvez
e não saber
que o que se fala
é infelicidade

quando me vejo
tão dentro de mim
já desisti

domingo, 13 de outubro de 2013

"Recordarás por qué te gustas leer"

Carlos Ruiz Zafón.
A sombra do vento.

"Bea diz que a arte de ler está morrendo muito aos poucos, que é um ritual íntimo, que um livro é um espelho e só podemos encontrar nele o que carregamos dentro de nós, que colocamos nossa mente e alma na leitura, e que esses bens estão cada dia mais escassos." (p.396 - antepenúltima página do livro)

O título da postagem é uma frase que tem na capa da página do facebook do autor. Poucas vezes uma capa fez tanto sentido. Eu nem sei se quero ler outra coisa de Zafón, tenho medo de me decepcionar. Realmente há poucos livros os quais sentimos tal identificação. Não que eu tenha passado por coisas semelhantes ao personagem principal, não sei.
Não sei que magia é essa.



Prefiro continuar sem saber.

Também, agora, não vou passear pelo enredo e registrá-lo aqui. Peguei esse livro às cegas e se o forem fazer, façam igual. Se alguém aceita recomendação, sem que eu vire analista, eis aqui uma.

Lembrei-me mesmo. Obrigada, Zafón.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

inclinação aos cotidianos

Como voltar a escrever sobre todas aquelas impressões de três anos atrás que me faziam me  expor aqui. Eis a questão. Tenho bastante o que falar sobre a casa das nossas avós e toda a sua falta de privacidade. Ambientes que entramos sem reservas. O quarto dos nossos pais como nosso direito e o nosso sendo apenas nosso. Toda a visão egoísta que, há muito, não é uma qualidade do ser. É um defeito. E falar das reformas das casas, todos os estranhos perambulando entre seus livros. Cheio de respingos no chão. Como salvar um animal de rua engrandece a alma quão menos haja alarde aos outros.

Eu tinha muito mais o que falar sobre como alguns livros nos devolvem o gosto da leitura. Como relembrar que eu podia ler mais de 100 páginas em um dia e não me cansar. Eu tinha um monte de coisa para falar do livro que estou lendo agora. Best-seller. E que, quando o tempo passa, a gente deixa de bobagem de os tornarem marginais pois é o que todo mundo lê no momento. Como os autores fazem para começar a escrever, como o mercado editorial é uma merda e como fico feliz com alguma promoção numa livraria, apesar dessa livraria não me oferecer nenhum autor conterrâneo. Só lemos gente de fora, a não ser que se tenha paciência de procurar um ou outro autor, ou visitar aquele sebo terrivelmente desorganizado que edita uns pseudos por aqui.

Noutros tempos, nós tínhamos muito mais coisa para dialogar por aqui. Um inspirava o outro sem perceber. O diálogo, as diversas opiniões, a troca.

Nesses tempos eu volto aqui a escrever poemas sem qualidade nenhuma. Cheia de coisa a dizer camufladas em algumas linhas que nem chegam a se completar horizontalmente. Cheia de lacunas que não serão preenchidas por ninguém, senão eu (que acho tudo óbvio). Dando margem a menor interação. Aos olhares que se resumem à preguiça de interpretar. Sem vontade de mostrar o que cá está a ninguém, pois nesses tempos de hoje não há um que se identifique. Que barreira foi essa criada à poesia? Foi essa mesma barreira que fez começar a escrever poema. Foi essa barreira que me inspirou a continuar, pois assim, continuaríamos sem diálogo. Nesse muro eu venho me escondendo e ninguém ousa estar aqui, do meu lado. Nem atreve atravessá-lo. Se posso ver um lado positivo desse silêncio todo é o que ele se revelou a mim. Me fez gostar de fingir ser poeta.

Mas venho crendo cada dia mais que já nem eu estou aqui.

os meus sonhos quando se revelam

os meus sonhos quando se revelam
são todos ébrios e assim se fazem

se mostram, pois, nesse estado
cuja vontade deve aguçá-los

conscientemente desejo que eles
não se percam;
rompam essa divisão;
materializem-se

para que meus sonhos
também sejam sóbrios
gloriosos
nobres
sem desmerecê-los pela ebriedade
no dia seguinte

que eu os traga a lume
ou que eles sejam gume
da minha opção de ser

que os meus sonhos
não se dispersem
nem pela memória
do meu ser ébrio

e que deles eu erga
um memorial
por cada linha escrita
nesse espaço
antes de adormecer e me tornar,
novamente,
meu superego

os meus sonhos quando se relevam
se elevam

terça-feira, 17 de setembro de 2013

prece em haikai

eu rogo à dureza
dessas goiabas verdinhas
Deus, amadureça!

artista

tal como Mecenas
abordas o ombro
palco de bobos
viagens apenas

não acredito em auto
estima que cria
tal ato

sou pobre de voz
pobre com cós
de calças apertadas

sou silêncio pois o que sei
é que espremida
a vida é nada
e o que eu sei da vida?
nada

terça-feira, 10 de setembro de 2013

mesa


alguém controla a mesa
o tempo teso, a temperatura

quem toma a fala
pode
o pobre é a pala
que o poder se cobre

a vida parece triste
me encontram e dizem
"que desanimada"
toma, bebe essa mágoa

há dias martelo
expressões enrugadas
corredores de pedra
leituras de praga

o baixar dos olhos míopes
que talham a face
o poema e o elo
sou ser velho

man

vejo que o homem
responde à verdade com a fuga

vejo que este homem
não compreende o verbo
vejo que um homem
ganha pra si, o só, quando perde

vejo tal homem
através dos azulejos da garagem
do mofo das paredes
(devido à chuva)

vejo que um homem
repousa sem limites quando,
o seu único desejo é a verdade

então o homem dorme

e para efetivar sua fuga
vira de lado a face
e em todo contra-turno
dito o meu, dorme
e se perde enquanto vejo

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

nova quarta

minha maior emoção
foi o vizinho chegar
e com seu controle acionar
o motor de seu portão

me causou taquicardia
até acordar de dia
sobre dos pés as pontas

dia em que tu me afrontas
o que em tudo me consterno

são os meus vacilos
eternos

quinta-feira, 25 de julho de 2013

balseiro

aguenta
que 'tá tudo asco
mas da náusea
é que nasço

firme
o que pousa os pés
independente
das marés

n'areia
que exaustiva faz
dos poemas
jaz

rima
que cria a ocasião
às custas de
solidão

balseiro
que conta histórias
louva o rio
escória

ensina
que a mim desejo
me ver em seu
espelho

d'água
que cursa e funda
e finda em branca
duna

eu
que lá espero vir
vendo espero
pra partir

sábado, 6 de julho de 2013

ávida vida

já vem o dia
que volto a mim
vem já a vida
que volta a si
se vem pesada
se vem esverdeada
já vai a vida
às lufadas
e passada
ao fim

domingo, 23 de junho de 2013

bicho

bicho
o que viro

puxa
que inclino

gueixa

a deixa:
boa noite,
meu amor,
me

beija

além

o vacilo das pernas
quando vais
quando ais
quando me tens

o inseguro quinhão
que hesita também
à resposta, porém:
- eu também

eu também
você e eu
convém
e amém

terça-feira, 18 de junho de 2013

paro


o verso guardado
à beira do talude
quanto a verdade
quanto a virtude

não é rebaixo
nem relento
é rebento

é verbo de tento
de anteparo
não quero intento
mas se me pedir
paro

sábado, 15 de junho de 2013

mote (dedico)

em volta da mesa
ouço histórias
e rio

imagens de memória
assaltam
do rio

é praia equatorial
e no goiás
rio

o planalto central
com amor
e Rios

domingo, 9 de junho de 2013

do mar

mareja
a Verdade é de marejar,
tem parte com os olhos,
o infinito da verdade
e engole

o mar engole os olhos

mareja, Oh amor,
estes olhos
estas veias

mareja a vida
que é ressaca
e estes ossos
que hoje doem

quarta-feira, 5 de junho de 2013

terça-feira, 28 de maio de 2013

insensíveis

o limbo onde vivem
os insensíveis seres
têm a mim o sossego
dizendo: "ei, apele,
ao fim sôfrego
dos inadmissíveis
insensíveis!"

segunda-feira, 27 de maio de 2013

* Fiama Hasse Pais Brandão, em Cenas Vivas, p. 12, Lisboa, 2000.

Nada tão silencioso como o tempo
no interior do corpo. Porque ele passa
com um rumor nas pedras que nos cobrem,
e pelo sonoro desalinho de algumas árvores
que são os nossos cabelos imaginários.
Até na íris dos olhos o tempo
faz estalar faíscas de luz breve.

Só no interior sem nome do nosso corpo
ou esfera húmida de algum astro
ignoto, numa órbita apartada,
o tempo caladamente persegue
o sangue que se esvai sem som.
Entre o princípio e o fim vem corroer
as vísceras, que ocultamos como a Terra.

Trilam os lábios nossos, à semelhança
das musicais manhãs dos pássaros.
Mesmo os ouvidos cantam até à noite
ouvindo o amor de cada dia.
A pele escorre pelo corpo, com o seu correr
de água, e as lágrimas da angústia
são estridentes quando buscam o eco.

Mas não sentimos dentro do coração que somos
filhos dilectos do tempo e que, se hoje amamos,
foi depois de termos amado ontem.
O tempo é silencioso e enigmático
imerso no denso calor do ventre.
Guardado no silêncio mais espesso,
o tempo faz e desfaz vida.

domingo, 19 de maio de 2013

Considerações

N'um poema resulta a minha vida
pois, agora, testemunho tal expansão
do espaço natural em suspensão
em torno do meu corpo, que finda

Pensei jamais recobrar a consciência
até me pôr de joelhos sobre o solo
nesta terra que desabrocha resistência
e me atinge com calma e dolo

Eis-me velando pela tranquilidade
esta já tão próxima da realidade
tal como a chegada ao sempre engano
melódico e doce como o som do piano

Destarte, um quadro construo, difuso
cuja moldura formato arabesco
dos sorrisos que me estão inclusos
no movimento dos ventos frescos

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Do you realize? Flaming Lips, Yoshimi Battles the Pink Robots.



Do you realize, that you have the most beautiful face
Do you realize, we're floating in space,
Do you realize, that happiness makes you cry
Do you realize, that everyone you know someday will die

And instead of saying all of your goodbyes, let them know
You realize that life goes fast
It's hard to make the good things last
You realize the sun doesn't go down
It's just an illusion caused by the world spinning round

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Hic et nunc

Tem brotado seca
a sabedoria ancestral.
Não cessa o meu astral
de oscilar ao fado
Ai, esta terra ainda vai...


engolir meus livros novos,
os vidros que golpeiam,
partidos pela herança
de não durar toda
uma linha na mão.


Eu já nem sei como durar
essa vida predisposta
Hic et nunc corre em uma veia
que nunca soube me fazer
antecipadamente.


Há uma força que me impede
Pede que eu cerre os punhos
e peça pela existência.
Insistência imatura.
Testemunho sobre o nada.
Ao nada eu escolho
uma cura atrofiada.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Rio Letes

Em adoração às águas de um rio
Cujo fluxo deságua no esquecimento
Apareço, desnudo, diante do sentimento
Romântico e anacrônico, por isso

Destino contempla a quarta margem
Donde encontrarei a azul myosotis
Azul tal como as águas do Letes
E dos pingos da noite sobre a garganta, ardis

Nesta margem, suas flores não hão de durar
Onde, após chegar, terei espasmos de sorriso
Pois que águas outras senão as do mar
Irresoluto descansarei em seu manto liso?


quinta-feira, 9 de maio de 2013

em ponto

o caminho de casa
tão longe parece
quanto o caminho
de uma mente rasa

é meia noite, em ponto
exploro o vazio
quando um dia é pouco
vida eu desaponto

acidentes que cometi
vidros quebrados
naveguei sob tiros
deportei o colibri

abrupta parada
completo desfecho
forço uma prece
pelo fim deste anseio

não finda

terça-feira, 30 de abril de 2013

Quem me dera se eu fosse o pó da estrada (releitura)

e que corresse sobre mim
uma razão superior que reclame

quem sou eu que vivo a tocar
unicamente a porção superior
de minha tez em sinal de contrição

Quem me dera dormir a madrugada
somente acordar com a aurora
e não me ver na penumbra a uma luz artificial

Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena...

Cova

a sobriedade caiu
como um grão de atroz
do alto de um prédio de Dubai
ultrapassou a derme
por isso tem sido
a pior noite
de meus anos
na volta a mim
parasita profano
de uma ufania sem fim
a vida

homem (salvo Levi)

ser humano amoroso
tudo emana fascínio
de um homem

eu escreveria sobre os homens
mesmo se fosse um deles
pele, fendas, protuberâncias

hilst, aposto que nosso consenso
recai sobre o mesmo fim
homens, álcool, rock'n'roll
a doença da impura índole

latente nos cabelos
no colo, nos membros
no sexo que fingem fazem

homens, musos de poetas
fracassados e imbecis
meus musos

Levi ***

invento o teu nome
para poder gritá-lo
como o pavor rodeia
à noite

Levi, Levi, Levi
nem sei o que tu és
assiste-me, porém
a sanidade

ando esquizofrênico
esse poema é prova
que repudio
a realidade

mas atentes tu
que a tolerância tens
à loucura deste
que lhe remete

ainda aí estivesse
a calmaria velada
o rascunho banido
de noss'alma

Levi **

quando escrevi a ti
sobre nosso pretérito
do subjuntivo
achei-me tão objetivo
mas me deixastes passar

pudéssemos ter desenvolvido
algo de angústia
mas eu vivo a me perder
de mim

quanto ao mundo,
deixamos de nos assustar?
imagina que esperávamos
atravessar a linha
horizontal a qual escrevemos
e cantar nossas odes
ao som do suspiro

Levi, já estou no indicativo
as coincidências me assustam
eu esperaria mais um pouco
mas se esperássemos amanhecer
eu já não serviria

o belo das coincidências
o pingo sutil da goteira de casa
o vento gelado de uma terra quente
meus livros empilhados
a vírgula no peito
eu já nem vivo

a janela está aberta e eu olho
ouço a sirene de quem me promete
segurança
mas ainda tenho medo
dessa linha
desse verso
e do teu silêncio

haikai para Levi

está tudo bem
aqui, querido Levi
apesar da chuva

Levi*

Levi, quando te vi
tremi como copo d'água
que, ao passo forte,
vacila

então, colho a rua
e desabo nos canteiros
bueiros donde ela sai
fissura tua

a via não me presenteia
com rosáceos ramos
cansado, rumo
ao desengano

Oh!, não mais ouvi
os pingos grossos
da chuva no norte
onde mora Levi

onde deixo a bagagem
coragem da nuvem
poeta clichê
desiste de ver

Levi, você me deve
a vida em cor
o teu sobrenome
e um breve amor

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Escavação - Mário de Sá-Carneiro, Paris, 1913


Numa ânsia de ter alguma cousa, 
Divago por mim mesmo a procurar, 
Desço-me todo, em vão, sem nada achar, 
E a minh’alma perdida não repousa. 

Nada tendo, decido-me a criar: 
Brando a espada: sou luz harmoniosa 
E chama genial que tudo ousa 
Unicamente à força de sonhar... 

Mas a vitória fulva esvai-se logo... 
E cinzas, cinzas só, em vez de fogo... 
– Onde existo que não existo em mim? 

...................................................................... 
...................................................................... 

Um cemitério falso sem ossadas, 
Noites d’amor sem bocas esmagadas – 
Tudo outro espasmo que princípio ou fim... 

terça-feira, 23 de abril de 2013

Mormaço - Vinícius de Moraes, Rio de Janeiro, 1933


No silêncio morno das coisas do meio-dia
Eu me esvaio no aniquilamento dos agudíssimos do violino
Que a menina pálida estuda há anos sem compreender.
Eu sinto o letargo das dissonâncias harmônicas
Do vendedor de modinhas e da pedra do amolador
Que trazem a visão de mulheres macilentas dançando no espaço
Na moleza das espatifadas da carne.
Eu vou pouco a pouco adormecendo
Sentindo os gritos do violino que penetram em todas as frestas
E ressecam os lábios entreabertos na respiração
Mas que dão a impressão da mediocridade feliz e boa.
Que importa que a imagem do Cristo pregada na parede seja a verdade...
Eu sinto que a verdade é a grande calma do sono
Que vem com o cantar longínquo dos galos
E que me esmaga nos cílios longos beijos luxuriosos...
Eu sinto a queda de tudo na lassidão...
Adormeço aos poucos na apatia dos ruídos da rua
E na constância nostálgica da tosse do vizinho tuberculoso
Que há um ano espera a morte que eu morro no sono do meio-dia.

Em pensar que ele rejeitou esses versos...

O poeta é um criminoso


ao gozo d'alma
não se pode escrever
eu gargalho ao dia
à noite
à morte
ao gozo de uma
mediocridade

não posso escrever
sob o olhar da
ignorância
da felicidade
da inocência
da fartura
épocas de bonança

minto, pois já o estou fazendo
rabiscando um poema lânguido
aos olhos do
encantado
do iletrado
do limitado
sobre o inadequado

eu deveria ser preso
junto aos assassinos
de mulheres
de crianças
de passarinhos
por falsear uma realidade
e, aos olhos de todos
ainda não ser
crueldade

quinta-feira, 11 de abril de 2013

ao acordar

em ladeira sinuosa
mamas & papas cantam
nenhuma árvore ou união
frondosa

como dizer
o que ontem sonhei
nada que faça caber
dentro de tua lei

longe que canto
entre esse frio e o vinho
à paixão, porquanto,
entro em desalinho

soam teus nomes
teus vícios, teus verbos
entre os Andes e a fome
reinas, tu, soberbo

estou em via de queda
sem ter como contar
só, entre a sombra da alameda
escrevo-te por amar

deus crê em mim
eu creio em palavras
espero o amarelo jasmim
que teu verso lavra

imagem que eu abomino
nome que eu venero
busco por ti, pequenino:
sê meu grande esmero

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Vide arquivo

Esta será curta.
Como uma vontade ausente de unir os termos, de criar um (nexo), deixar claro. Que a impaciência amadureça, longe da minha zona de conforto. Como um sofá de dois lugares que incomoda que ali não se encontre ocupado completamente. É compilação de todas as utopias, de qualquer muro, das insatisfações e do abismo entre as boas e péssimas músicas. Como querer parar de reclamar, de declamar, de aguçar. Há de vir o dia em que qualquer sinônimo de ventura caiba na ausência: para (vocês). Que venham (me) noticiar isso. Que nunca me digam isso. Como se assim, por si (só), por imanência ao ego, me façam compreender que o deserto d'alma, ou seu ermo, seja reconhecido como a tão almejada harmonia.

(Prosperidade) e identificação: de ser.

É sempre assim, não é? Que começa uma lembrança. Períodos curtos, linguagem simples. Meu personagem é o que está rodeado. Ele não é tão simples mas foi o que ficou de papo pro ar. O que deitou aquela tarde e a dormiu. Dormiu-a (me observem ferindo a Língua Portuguesa). Dormiu a tarde, à tarde, como se fosse à noite e esperou. Pacientemente, esperou que a ausência corrigisse. Imagino-o entre um sermão e outro. Uma fila de trânsito, um revés após um dia ruim. Imagino-o ao meditar quando o barulho está ensurdecedor. Começou assim: eu não me recordo. Começou uma inspiração surgir quando: eu não me recordo. Vou parar por aqui. Aproveito o ensejo para chamar de volta a prosa que esqueci quando ainda me lembrava dos motivos que me faziam escrever. Hoje não os lembro mais. Que belo dia para desistir de pensar. Aproveito a oportunidade para transcrever a nota de uma velha alma: Sente cá comigo se te afrontas a vida. Pois os que contam com o costume de tolerar o fado, taciturno e meditativo, me é companheiro.

Aproveitemos a volta.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Punch drunk



I will survive 
On this island I am stuck 
Could you correct my crooked luck tonight?

Estanque

Fiquei de compor
um madrigal
para meu futuro amor
Fiquei por procurar
nos cômodos
meu antigo mar
Tratei de profanar
no litoral
meu velho naufragar
Deformei o que veio
desse compor
e num repentino freio


Estanquei
Não por mal

Findou
Confidencial

quarta-feira, 20 de março de 2013

minha poesia diz a ti

saudade
de
saudar-te

há de vir

somos paisagens
um filme analógico
o céu

refazendo a lua,
borrando o cruzeiro
do sul

e eu vou somando
partes de mim
com pessoas
iguais

calmas e sutis
ando sutil

me traga o calor, o alívio
a prata dos fios
e eu vou

caminho passado
retoma o destino
e flui

e eu vou sentindo
o peso do caos
que me leve
além

pro amor vir
leve e gentil

sábado, 16 de março de 2013

meu verso é livre
de deformar
de moldar
de alugar
de editar
rebaixar
educar
contar
amar

magra

os pais dizem
magra

os amigos dizem
magra

os amores acham
magra

não sabem
do controle

o beco é estreito
o meu canal
inicial
é estreito

a frecha na parede
é estreita

a minha magreza
é apenas
psicológica

e tem lógica

quinta-feira, 7 de março de 2013

amo menos

Quando bebo
coisas me parecem bem
aparecem bem

Quando bebo
fico bem
faço bem

Quando bebo
bem
escorro mal
derreto
e não há
escoamento para

Quando bebo



Escondo
Percebo
Bebo

(-me salvo)

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

caderneta

os cadernos
das senhorinhas
modernas

os cadernos
com suas linhas
retas

os rolos, bolos

todos cadernos
velhos

cadernos são
capelas
de confissão

haicai

violar o som
corre a descer as escadas
violar é som

duas luas

banco de pedra
no vão do tempo
o tempo é lua
passagem de lua

planta nos dedos
e mão de terra
que trema terra
e tema fim

sulcos as marcas
da face corada
que corta trocas
também as almas

domingo, 24 de fevereiro de 2013

queda mucho por sentir

relatos nos muros
e sons que inspiram
inspiram olhos coloridos
sal, areia, céu
inspiram lua cheia
pôr-do-sol
contatos distantes
corações que não dão pé

"queda mucho por sentir"

ainda há
celeuma, cantoria
alarido, cabeça dolorida
visto que há
há de vir
os escritos sobre ventania
sobre o abstrato
sobre os objetos

ainda há muito o que sentir

mas quanto ao ofício
de quem se escreve
que se infle de objetos
inanimados
de teorias
de observações externas
fora do eu, de mim
longe do humano sentir

Crônica da louca mulher

Batia-se na esquina daquela rua movimentada. Já havia bebido cerveja, vinho e outras coisas que não faço ideia. Água do mar, talvez, também. Há momentos da vida de uma mulher que pouca gente sabe. Há momentos obscuros. Assim como, algumas vezes, preferimos homens a couve-flores, como diria Mrs. Dalloway. É aí onde mora o perigo. 

Eu a vi, descabelada, suja. Poderia ser confundida facilmente como uma moça de vida fácil. Acho qualquer outro termo pejorativo. Eufemismo é uma ótima arma para textos +18. Ou uma péssima, pois veja que não me estranharia uma série de interpretações românticas do caso. Bem, voltando. Era Acácia o seu nome e o nome daquela árvore de pequenas folhas.

Assim era com Acácia. Ela enlouquecera. Devagar, de folha em folha. No auge dos seus 18 anos. Acácia começou a se despir no meio do tráfego. Não, na margem. A marginal. Escorria entre suas pernas, entre seus olhos, pelo busto e pelo umbigo e continuava este fluxo. Escorria algo de insensatez. Algo de resto de um telefonema maldito. De uma mensagem instantânea. Acho que escorria por Acácia um alvo chá de descarte. De abandono. Acácia também, ainda, conseguia debochar de si mesma. Ali, entre o asfalto. 

Mas Acácia não desistiu. Postas as roupas no ombro direito partiu. Andarilha, como sempre, foi até a casa de um couve-flor. Óbvio que não o era, mas com semelhança assombrosa. Não era o porteiro que iria impedir Acácia. E não foi. O elevador também não. O eco do corredor ao toque desesperado da campainha muito menos. O objeto há muito estimado aparece.

- Morena?

Com ares de desentendido.

Ele ficou no chão.
Ela, sobre ele.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Eldorado

O esplendor
que me consente,

após a seca
de gozo

após o absurdo
do grito

após a explosão
do choro,

eis:
o silêncio maculado
a canção sorridente
a dor latente
o amor ausente.


O eldorado
quimeras em mente

o amor
de volta
atordoado

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Cartola - As rosas não falam


Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão,
Enfim
Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar
Para mim
Queixo-me às rosas,
Mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai
Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhavas meus sonhos
Por fim

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Haicai

Mãe da minha terra
Sou aqui modéstia raíz
Singular de força
Pode ser do silêncio
que silencio
Então do grito

E pode ser que
a bebida me responda
que não
me arrependa

Eu não me arrependo
pois eis-me a dar
e dou
as duas faces
arrumadas, coradas,
à tapa

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

domingo, 20 de janeiro de 2013

Manhã - Mia Couto

Manhã (Mia Couto)

Estou
e num breve instante
sinto tudo
sinto-me tudo

Deito-me no meu corpo
e despeço-se de mim
para me encontrar
no próximo olhar

Ausento-me da morte
não quero nada
eu sou tudo
respiro-me até à exaustão

Nada me alimenta
porque sou feito de todas as coisas
e adormeço onde tombam a luz e a poeira

A vida (ensinaram-me assim)
deve ser bebida
quando os lábios já estiverem mortos

Educadamente mortos

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

sobre o que merece brinde

à marina dal'maz

manifestou-se a ansiedade
finalmente, ela agradece
como a cura de um mal
a fuga de um cárcere

e cada qual assim
a engrenagem funcionou, ela berra
travando por vezes
mas viva por fim

poderá ainda interceder
mas por amizade, ela declara
como aquilo que não morre
porque a ideia não finda

se vier a padecer ainda
é alguém menor, ela admite
sabe que a bateria do tempo
é lânguida, mas não falha

dilacerante escrita
permanecendo, ela estranha
mas é a ausência das asas
que dessa vez repousa

liberdade sempre foi seu forte
que ela odeia, ela entende
mas autorizou a raiva
dela passar, dele o matar

Nota de um arrependido

Imagina que não há
Que interceda, algum deus,
Capaz de amenizar
Nem doce vermute
Tampouco alguém que lute
Pelo ódio no pensar


No guardanapo

2009

Presença que inibe
Olhar que estremece
Estranha sensação:
Mal estar prazeroso

Quando respira
Rouba-me o ar
Quando pensa
Leva-me a razão

Ódio, afeição, o que for
De você só quero
Uma centelha do ar
Para permanecer aqui

Ou uma canção
Que rompa o silêncio
Dessa eterna trajetória
De inversão de planos:

O psicológico é irreal

...e me esmaga com toneladas de acordes.

teoria do caos

eu forço crises
tenho saudade da tristeza
quero desastres
ao redor de mim
conflitos
imagino teatro
em terrenos baldios
o visceral humano
exposto a toda prova
que nessa (merda) vida
tudo é a mesma coisa
ninguém promove paz
sem cultivar inimigos
eu tou em cima do muro
jogando cascas
sabão
pedras
pras pessoas caírem
e enxerguem o mundo do chão
igual patamar
rastejando, cegamente
implorando por algo
que venha do céu
ou do inferno
que ninguém conhece
não tem forma
só teme
eu forço crises
mas tanto faz
pra quem tá no olho do furacão
qualquer vaca é grão de areia
mas homens com raiva
são o fim do mundo

Oldboy, 2003


"Ria, e o mundo ri com você. Chore, e irá chorar sozinho"


quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

last nite

alter ou alguma outra
definição que, às 4a.m.
sempre posso ouvir
-chore, sim,
mas chore pois os olhos
não precisam suportar
o deserto das almas,
do mundo
a umidade não carrega mágoa
como dizem
o que tu alivias

a cidade me aconselha
-que chores
ao ouvir o passaredo
na sua alvorada insone
acordando o sol
enquanto sonham
e que não evites
escutar o solene som
do teu próprio
choro

o oráculo ao lado diz
-ame a sua solidão
grande amigo,
sinto muito
mas não posso, pois,
no momento, ouço a cidade
então só amo,
a minha canção

domingo, 6 de janeiro de 2013

O Sétimo Selo, 1957, Ingmar Bergman


"- Eu vivo agora em um mundo de fantasmas, um prisioneiro em meus sonhos.
- Ainda assim, você não quer morrer.
- Sim, eu quero.
- O que você está esperando?
- Conhecimento.
- Você quer uma garantia.
- Chame do que você quiser.
- É tão difícil conceber Deus com os sensos de uma pessoa? Por que ele tem de se esconder numa neblina de vagas promessas e milagres invisíveis? Como iremos acreditar nos que acreditam quando não acreditamos em nós mesmos? O que será de nós que queremos acreditar, mas não podemos? E quanto àqueles que não podem ou não irão acreditar? Porque não posso matar Deus dentro de mim?
Por que ele vai vivendo em um sofrido, humilhado jeito? Eu quero tirá-lo do meu coração, mas ele ainda continua em uma realidade assustadora que eu não posso me livrar. Está me ouvindo?
- Estou te ouvindo.
- Eu quero conhecimento. Não crença. Não suposições. Mas, conhecimento.
Eu quero que Deus ponha sua mão, mostre seu rosto, fale comigo.
- Mas ele é mudo.
- Eu choro para ele no escuro, mas parece não ter ninguém lá.
- Talvez não tenha ninguém lá.
- Então a vida é um terror sem sentido. Nenhum homem pode viver com a Morte e saber que tudo é nada.
- A maioria das pessoas não pensam nem na morte ou no nada.
- Até que eles chegam no final da vida e vêem a escuridão.
- Ah, esse dia.
- Eu percebo.
- Devemos fazer do nosso medo um ídolo e chamá-lo de Deus.
- Você não é fácil."