quarta-feira, 27 de agosto de 2014

tlön e a avenida

seguindo franziska
numa avenida de tlön
do hemisfério boreal
(substantivodoapagamentoou-
filosofiadarepartiçãoDetcetc...)
a avenida, a vida
buscamos bibliotecas
seladas com teflon esquecidas

alcanço-a, enfim
e, pelo nada régio criado,
convida-me a um café 
cheio de espelhos

digo que não,
deixo-a e sigo,
sem promessa de cópula
(graças ao gnóstico)
e também sem nada 
esquecido

terça-feira, 26 de agosto de 2014

re feição

houve um deslizamento de terra em mim
que encobriu o que há
para baixo da couraça
onde uma fukushima faz vítimas
onde há guerra, morte
tudo fora dos conformes

me lavo com ungüentos fortes
para ir ao forno
então dourar

enquanto isso,
continuam tirando a mesa
antes d'eu chegar

sei não de sobreviventes
ou de solventes pra a untura
que juntou-se à terra

ainda encoberto,
tento terminar a refeição
mesmo sem a total arrumação
da mesa já tirada
no prato, o bálsamo dourado
do meu ser algum pedaço
digestão

enquanto isso,
continuam me tirando
cru,
esguio,
sem emoção,
abafado,
como um engasgo

ricina

ouvir d'uma boca
os sons agrupados
a harmonia sacra
da palavra mamona
eis o júbilo, a fortuna
a lembrança, a cura
mamona ressoa
como a palavra una
mamona, om
música nua

[mas se oscilas
ricina
e fim]

sábado, 16 de agosto de 2014

eu costumava ouvir ele dizendo
que assim despertava
com cheiro de febre impregnado
com gosto de merda na boca

ele dizimava todos os meus poemas
com essas frases
salvo esse:

cheiro de febre
gosto de merda
na boca

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

aborto

como a lei do eterno retorno
o carro ao asfalto volta
a vida da natureza morta

ou o vírus do ebola

mas as nevralgias de ontem
somem

meu filho se chamará Uardi
corrigirá a terra com o cal

[pela vulva transpassado
despontará de fato negro
(vês que já não sou
nem sinto)
já um morto homem feito]

à lei do retorno super-sônico
retornam também as nevralgias
e o filho que tive
é o sono cinza do frio

minto,
o meu filho é da corja
fecundada no estio
que volta, volta,
e

volta

para a estação que o pariu
a flor morta

terça-feira, 5 de agosto de 2014

sonho

sonho
com o reboar salgado
pés descalços
a valsa
compasso
cansaço

sonho com o vinho,
o cesto de vime
e o cheiro frugal entrançado
na beira d'um promontório
acorrentada em um verso de cacaso

(ante o sonho, acordo
dirijo um pouco
e caio em toda depressão urbana;
as bocas de lobo)

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

hoje não componha suas nênias

hoje não componha suas nênias
nem descanse sobre a boca a mão 
nem esqueça
sobretudo, não esqueça

que todas as mortes são iguais
todas as crianças são iguais
o mascate que anda à tuna é igual a tu
o baile dos carros é igual a tua festa
a casa respira como teu peito ascende
e declina como teus olhos à noite
sobre os antigos alfarrábios

não componha tantas nênias
mas rodas a não pensar,
não pesar
não afundar,
talhando-se com tal ofício
não acompanhe a mulher,
se tu não o queres bem fazer

abandone as traduções diversas

não lamente

ramagens aureoladas
são todas iguais e se repetem não só em gaza
(sabes que lá quase nem as tem)
mas na esquina da esperança sua casa
onde os mascates desembarcam
como tu ontem o fez também

(mas não esqueça,
além de tudo não esqueça
nem componha nênias
nem os entregue a cabeça)