quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

em dias com a companhia de celosias na janela, ouve-se a história do homem mais triste da cidade como quem diz sobre o homem mais importante da cidade que desenha quadros ou compõe fotografias perfeitas sentado na cabeceira de uma mesa de cozinha sem telas, nanquim ou filmes revelados em quarto escuro
certos dias certificando-me, também, cada vez mais, que o esquecimento é pior que a morte e os jarros tombados dos cemitérios é o que mais me comove post mortem, mais até que as placas de ferro oxidável cujas letras p e r p e t u a e uma numeração são gravadas para mapeamento e orientação e mais até que a saudade
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todas as enganações pelas gotas de milagres do sono que o homem mais triste da cidade se apropria por acreditar que na vida só se deve fazer a mesma coisa, não se deve provar o que acha que não vai gostar, não se deve gostar de pessoas que não se conhece por achar que não inspira nada da bondade que lhe é familiar, o que é bem pouco, só o fazem dormir
a não compreensão do termo plenitude que acaba amargando a comida e o sangue de um idoso que crê, e nisto amplio a história: são dois os homens mais tristes da cidade, é um outro quadro pintado por ele mesmo e pregado na parede da sala de refeições junto com os retratos de familiares mortos e vivos
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os dois homens mais tristes da cidade, cuja história confunde os qualificadores tristes e importantes, não podem estar próximos por muito tempo pois o reflexo que se reproduz a cada embate de olhos é um cataclismo, uma convulsão que se passa nas suas entranhas desconhecidas, eles sentem algo que é próximo ao abstratismo chamado amor, ou quase
toda história de vida é bonita mesmo se for de alguém muito feliz que não visita cemitérios