sexta-feira, 2 de junho de 2017

como fosse domínio do homem
o pico do cabugi, ou qualquer dos pontos altos da terra
e como se não fosse dar jeito na vida do homem
ela cai e é soterrada como pedrinha que se descola
ou qualquer matéria desgarrada que deve ficar ao chão
jamais no alto

e eu imagino quantas vidas que foram para que o pico do cabugi tomasse a forma
desse projeto de vulcão que nunca sofreu
com o ar quente dos gêiseres
ou o cheiro de enxofre que vem do desconhecido
mas o cheiro confundido com os das tantas raposas sem vida no acostamento
saindo do jovem displicente antagonista das recomendações “não vá”

como se fosse, portanto, domínio do homem
superar a natureza da mulher selvagem que recolherá
os ossos
na base do vulcão-pedra no deserto do sertão, onde os canos de adutoras distraem o passante, e cantará
para seus humores voltarem a correr ao redor
não do pico, mas dos corações parados em volta de um morro com formato de seio

o morro, o bicho morto e a mulher:
domínios por si, nunca do homem

terça-feira, 16 de maio de 2017

bandidos que aplicam golpes
em maternidades, mães recém abortárias
idosos ou internos de qualquer hospital
não me distraem do homem com aqueles óculos

aquelas botas nunca pisaram em trilhas
mas diariamente pisam em outras coisas
como:

em meus maus pensamentos sobre a vida

o homem que no interlúdio de um escape
olha-me nos olhos por míseros três segundos
fornecendo-me sinais patológicos
como:

suores intensos, sonhos imensos

de que problemas de disfarce ou de harmonia
são lembretes daquilo que se passa com o corpo - também
ao:

ouvir no piano a time goes by em casablanca
ou aquela sensação de queda quando não sabemos se estamos dormindo
ou não
receber a brincadeira juvenil do susto atrás da porta

mas o dito homem com aqueles seus óculos
ao existir novamente
causando esta morte e esquecimento ao meu santuário de pessimismo
ficará evidente, assim prometo:

deliberadamente:

efeito-placebo-flutuação-composição-finalização
dos tempos:

conceito holístico

quarta-feira, 3 de maio de 2017

dedicatórias

*
para B.
abastado de mal entendidos o homem que morreu
cuja a pele eu conheço doutros tempos
pele solta sobre o crânio
munida de oleosidade natural
macia
marcada
feito a dos homens que precederam meu pai

*
para M.
ainda aquele colar de prata com lápis lazuli
ou qualquer azul que te não te demovam os olhos-opressores
por analogia teus olhos multiplicam-se sobre o teu torso e orelhas, como brotoejas
em excesso:
lembretes de castigos em couraças negras

*
para H.
escrevi no quadro negro da cozinha algumas urgências
prevendo uma busca incessante de palavras novas
ou riscos nas casas desconhecidas próximas ao baldo
pedindo que me ligue, por favor, me ligue
ou acenda na escuridão aquele canudo de pólvora e natureza para que possamos dormir

terça-feira, 18 de abril de 2017

eu não sou aquela peça rachada
copo com utilidades de guarda-canetas

sou a guerra lutada novamente 
sou teju-açu, lagarto, pintado
couraça dura e cabeça comprida
rastejo no solo da praia
sem lacrimejar:

a verdade é semiárida
e chove com ressalvas

terça-feira, 28 de março de 2017

epopeia de atrasos

meandros
Palavra que aprendi com meu pai, quem viu mais rios e pedras que eu
o todo, pesado, os minérios e das distâncias
dos uniformes sem cor viva, das areias mistas
porque mulher deve ter mais rugas de sorrisos que os homens
ruas que continuam o caminho sem fim das pequenas ondas ao cair da gota no rio
seguem como o ciclo do curso ao desrespeitar as areias
e ampliar a margem, diminuindo o generoso dar-se

porque me intitulei também de ausências, fazendo hora como o início do livro de Vigna, adoecendo mães e irmãs
ou lendo incessantemente imagens ou letras até surgirem as dores no meu centro vital e surgir também uma labirintite quando leio de lado

mas eu queria falar mesmo sobre os meandros de um rio que conheço, 
essas curvas centrífugas, os meandros divagantes
só saber disso já bastava para a poesia,
mas eu faço hora,
então não basta
enrolo-me e sou assim arremessada na correnteza
com nós nos músculos tensos das costas e do antebraço

[me lembra o verso que estava pronto e esqueci
lê um poeta pobre]

divagante eu seja depois do seridó, me disseram
o horror
pior lugar depois ciudad del este
e do congestionamento na ponte da amizade
onde os minutos passam em dobro, onde o dinheiro não serve, onde os rios estão secos

finda-se
só restando as lembranças dos meandros
junto a um pouco de lama e
algum abandono

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

atenção: esse é só mais um amontoado de palavras insones. palavra - lavra: aqui cresce feito erva daninha, com cuidados indevidos de bonsais fruteiras do sul - nunca é época. palavra - lavra: alergia coça garganta, coça olho, palavra dentro coça também. e a insônia é algo tão pouco incidente na minha vida, que eu deveria vir aqui e dizer que ela coça também - pela palavra [igual fio de cabelo que no vento sutil desenha passos de inseto sobre a pele]. pelas palavras que maturam e se perdem [vivo perdendo grampos e tarrachas]; as que você me diz e eu guardo tudo-tudinho com medo do demônio do esquecimento [e já chegamos à conclusão de que o esquecimento é pior que a morte]. todas pelas quais me levanto e elas: - ainda não. [tanto terreno de nadas, deserto] onde estarão os ossos de la que sabé? quem sabe, não jogamos pega-vareta - a mulher lúdica -, ou escrevemos na areia seca com os ossos, lembrando do lápis do mar, .. palavras? qual o que! isso tudo é só o caminho em que deixo cair as palavras-pedrinhas para me lembrar do caminho de casa. como o rio seco pinta a terra com as setas para a nascente. (às vezes é bonito o que um rio - ou sua palavra - faz).

tema para o corpo de h. ao dormir

sobre os espasmos, os que há tempos não sinto
(eram no meu lábio superior)
você, então, teve primeiro na pálpebra
(sobretudo, você tem em seu corpo inteiro)
antes dos blackouts

mas desde então,
quando as noites juntaram-se
surgiram:
mãos que imitam movimento de despertar
pernas que parecem estar a ponto de largada

(você fala que é reflexo da evolução, do alerta primata em cair da árvore)

sinto toda sua circulação quando abraço suas costas
e beijo a noroeste, perto do sinal de carne, intermitente
até os rios de tuas bacias hidrográficas
(e eis o real aviso: as quedas d’água)
desaguarem na planície-algodão

e só fluírem em seu curso calmo, vivo,
criador d’uma rota
até o R.E.M.

filha de estradas, onde emaranham-se juremas e cactos
deixo h. para ver freadas, enquanto ele,
calmo,
compõe poemas pós modernos para tentar decorar o número de celular
ou acerta despertadores para um pouco mais tarde

e emaranha-me,
entre colchas, apelos e músicas

presos aos limites da derme não alcançamos o bliss assim tão fácil
sobram tentativas de rompê-la, quando já ultrapassadas no que escuto longe em silêncio com sinatra
[because I've got you under my skin
and I like you under my skin]

como acordar para a ordem moderna?