A primeira parte dos diários de Virginia Woolf, que li pela versão da Editora Nós, começa aos 33 anos da autora, momento que circunda a publicação de A viagem. Não vou fazer desse texto uma espécie de lista de referências, então sugiro pesquisar qualquer informação que esteja incompleta, afinal é Virginia Woolf, mulher que já teve sua história revirada e chegou até a filme com Oscar.
Falo dessa maneira como forma de imitar a escrita do próprio diário, em alguns aspectos ampliado pelos hiperlinks que explicavam a palavra e a referência. É um diário no qual era evidente o desejo de ser publicado, escrito por uma intelectual que acompanha e resenha livros e que sabe da importância de não precisar, necessariamente, explicar que James era Joyce, ou que Aldous era o Huxley.
Na psicoterapia, hoje, comentei uma passagem desse diário que acabei não destacando e agora não sei bem como está literalmente escrito, então é a minha impressão do que ficou. Há um momento em que Virginia e Leonard recebem um amigo que está visivelmente abatido e em uma fase ruim. De maneira cordial ao se puxar um assunto e também por sua inclinação fofoqueira, Virginia pergunta ao homem quem ele tem visto por aí. O interessante é que, na leitura, essa questão me saltou aos olhos.
Virginia e Leonard moravam nos arredores de Londres, em uma cidade menor e, eventualmente, ela ia à capital simplesmente para ver gente. Tinha as obrigações e alguma luxúria na papelaria, mas, em geral, era para socializar. Há muitas passagens em que ela descreve a necessidade de ir a Londres para ver gente.
Não era uma imagem que eu havia construído da autora até então, afinal o que se torna obsessão quando se trata dela é a questão emocional, o suicídio, os colapsos. Para uma pessoa com esse estigma, espera-se que seja no mínimo reservada, reclusa, silenciosa. Muito pelo contrário. Fofoqueira e maldosa, eu diria que é a forma como ela mais se expressa, além de muito engraçada e genial. Como menciona Leonardo Fróes na apresentação de "A importância do riso e outros ensaios", ela se envolve com questões do dia a dia. Ela anda à cata de vislumbres pelas ruas de Londres. Ela opina com força e destemor.
Voltando ao diálogo de Virginia com seu visitante, uma coisa muito comum em sua casa, ele, ao invés de responder com nomes de pessoas que teria visto, responde que finalizou uma coleção de um livro mencionado do qual não lembro a autoria nem o nome, mas a impressão é que ele se referia a uma coleção de vários livros difíceis e importantes. Quer dizer, Virginia pressupôs que seu amigo estava mal - e de fato estava - ao notar que ele não estava vendo muita gente recentemente. Acho (começando especialmente esse período depois de ler um pouco de Judith Butler, a academia pira) que essa passagem é autoexplicativa, se eu considerar meu estado atual de sociabilização. Não que eu demande tanto assim, mas é realmente fácil e rápido ser esquecido.
Para além dessas bad trips, que já trabalho semanalmente na terapia e diariamente nessa cabeça que é minha vilã e heroína, destaco alguns trechos que consegui marcar no diário e que muito me identifico, ou não.
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“creio que o patriotismo é uma emoção baixa”
“começo a odiar meu semelhante, principalmente quando olho seus rostos no metrô. É fato: dá-me mais prazer olhar para a carne vermelha crua & os arenques prateados.”
“ruas apinhadas são os únicos lugares que me fazem, como-diria-na-falta-de-uma-palavra-melhor, pensar”
“além do mais tem a vaidade: não tenho roupa para ir”.
“e sei que nós dois pensaremos, quando tudo isso terminar, que de fato uma boa noite de leitura teria sido melhor”
“só cerca de uma pessoa me parece bonita a cada quinze dias - a maioria não me parece nada”
“como está fazendo uma noite bonita & razoavelmente serena, talvez amanhã eu tenha um ataque aéreo para descrever”
“Ora, com lareiras, luz elétrica, trens subterrâneos & guarda-chuvas, como alguém pode notar o tempo?”
“minha teoria é que eu alcanço aquilo que é rocha pura dentro dela, através dos diversos vapores & poros que enojam ou espantam a maioria de nossos amigos. É o seu amor pela escrita, acho eu” - Sobre Katherine Mansfield
“quanto do que pertence ao espírito é dominado pela imaginação” - acredito que isso é uma pergunta.
Quem tem medo de Virginia Woolf? Eu não.