quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Ciborgue

quem dera ser um ciborgue
a acordar suada & sangrada
neste verão excelsior
sempiterno 
antimaterno 

sábado, 16 de outubro de 2021

Agave

No grito do vendedor ambulante, 
a não-memória do Baldo
— espanador e vassoura de agave

Se ouvimos vozes, é evidente que somos pequenos
e não nos lembramos do passado
nem ajudamos a limpar a casa

Ao entremeio de todas as vozes,
o micélio irromperá da terra 
para contar nossas verdadeiras histórias 

Neste momento oportuno,
o sol abanará o rabo

terça-feira, 12 de outubro de 2021

A nova beatnik

chegarão pelo estreito de Gibraltar 
os novíssimos pentecostais cortando chifres 
e pendurando etiquetas do futuro
aos pés dos pequenos sob as árvores 
os percevejos caem todas as setenta
e nove vezes na mesma frase em que 
se afirma ser o mundo onde jaz o maligno

chegarão os indigestos e as crianças 
os que contrariam todos os cismas

chegará a nova beatnik

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Danação

é pressuposto do sonho a ausência, a subserviência. o primeiro sonho do mamífero foi o pesadelo e quando te vejo, homem, sem a força de aguentar o trator que atravessou seu externo, delirante e dependente, no carrinho elétrico do supermercado, no andajá na casa sem varanda, eu penso que sonhas. privado da máquina do tempo, analfabeto, eu sei que gostas do tutano bem molinho com cuscuz e peixe frito. 

tens o pano de prato para enxugar a boca que não se fecha a dentes. o último dente para rasgar a carne. podre. extraído. banguelo não se acostuma com dentadura. Kariri não deveria jamais partir para outros currais. 

é amoral tomar café com xilitol e comer pão com manteiga ghee. é melhor morrer. não ser mais considerado porque o presente é um constante vácuo, o passado é afetivo, real. ser devoto de um não-santo. morrer antes da beatificação. antes de tudo, sonhar com Frei Damião. ninguém te escuta, nem aquele servo de Deus. nem Deus, tão amado. projete o gesto da cruz de nossa contrição, capuchinho.

nem os virgens te alucinam mais que o dinheiro, a quetiapina, outro sedativo. queria sonhar contigo. te convidar para cheirar acetona comigo, pôr vinagre no feijão. e o silêncio, esta importante avenida costeira, será nossa danação.


quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Carranca

sustentada pela quilha de um navio etrusco
que irrompe no mar Tirreno
uma carranca carrega esperanças 

no destino, não deixa de falar muito 
com os cachorros como se eles entendessem

e entendem
perguntas muito complexas sobre a comida do dia
e de que maneira isso pode ser dividido para que todos
sobrevivam ao tempo da bonança 

checa os retrovisores mesmo sem conduzir o barco
olha tudo o que deixou para trás:
aquele continente pendurado 

chora escondida com tamanha careta no espelho
vê os tártaros se acumulando e as pálpebras inchadas 
tem noção do ridículo e mesmo assim 

chora

no banheiro

pega uma tesourinha de cortar unhas
que existe de enfeite já que as unhas se vão de outra forma 
algumas na pele que coça, outras no tecido que engancha, 
estas nos dentes tortos, 
ainda há as que se cansam e simplesmente
caem

covardemente, faz um pequeno corte na epiderme
com destreza metódica e o resto das unhas, vai abrindo
cutucando 
coçando
sentindo 
até que o vermelho surja dias depois 

talhada na madeira podre dos que jamais quiseram nascer,
a carranca segue espantando maledicências

reza o ato de contrição diante da luz vermelha de uma capela 
aquela que abre antes da fábrica


domingo, 3 de outubro de 2021

Folha

para Angela Quinto

andarilha andante transeunte contingente 
mambembe transitória efêmera móvel —
há que se encontrar o gentílico mais vivo

: caminhante

de grão em grão (& all
ela enche
um livro