segunda-feira, 22 de junho de 2020

junho

fiz uma foto com livro, porque acho que esse é o meu melhor ângulo. jarid arraes conta histórias tão bem que retornei ao cariri e àquela estátua imensa do padim ciço, mas o mais mágico mesmo foi preencher as paisagens desconhecidas com o alecrim, o pitimbu, com apodi e o espanto dos redemoinhos em dias quentes em ambas as margens da BR 405. pensava que era um furacão, né, menina? saí do sofá e senti os meus pés queimando - era o sol que entrava pela janela e eu tentava permanecer, porque ouvi dizer que basta uma parte do corpo no sol para repor a vitamina d, acho que foi na TV. leiam jarid arraes, vejam menos TV, a luz azul esgota qualquer um. tirem fotos com livros. como não quero parar em casa, vou começar a ler moby dick porque soube que o melville escreveu em isolamento, com apenas um arpão ou uma âncora em cima de sua mesa, não lembro bem dos detalhes, foi matilde campilho quem contou. porque também revi pela milésima vez amélie poulain e só então reparei que o nome do peixinho suicida dela é cachalote. e tem a Bíblia. o wong kar-wai. o rodrigo campos. o júlio verne. dani. os vários fragmentos de um sub-bibliotecário de um sub-bibliotecário. e a educação infantil, quando essa baleia passou a permear meu imaginário. pois que eu possa chamar de Ismael o narrador que me espera. quero mais histórias, que tá pouco. ⚓

sábado, 20 de junho de 2020

reinventaram a linha do equador
e todos os meridianos foram deformados
pois há paredes infiltradas a qualquer hora

e a pensão dos vírus
tem este cheiro frio de cá

parece-me que os dias no trianon voltaram
aqueles de quando um bigode acumulava cinzas e delírios
quando também se lia bukowski até a madrugada achando o máximo
e espiava a rua vazia pela janela da cozinha
enquanto a primeira das mulheres murmurava seu rosário

reinventaram os detalhes:
a farmacinha do banheiro único
a clarabóia furada por onde escorre um fio de vento congelante
o tapete antiaderente
(os batons cintilantes, grampos dourados e a embalagem laranja de minâncora)

este cheiro frio
não é de cá:
veio migrando 
de roupas velhas e vícios acumulados
até esta linhagem que inventa teu nome mais longo

a geografia é afetiva
não mais que as marcas do um rosto que se lembra
sem plenitude do ângulo, sem olfato

oxímetro quebrado

há, então, que se pichar as linhas,
afiando suas pontas
e expulsar este odor do ausente,
borrifando para cima
balas de um sul quente

domingo, 14 de junho de 2020

maio p. 2

um dia exatamente igual ao outro.  alguns lampejos de outras ideias que não o tal microorganismo. a primeira veio domingo, ailton, o krenak que em 1987 pintou o rosto com tinta preta de jenipapo durante a assembleia constituinte – um vídeo que você provavelmente nunca viu –, com sua sabedoria ancestral, usou uma das metáforas mais interessantes que já ouvi: se você tem uma gaiola de porcos, não pode esperar o canto dos pássaros. fiquei atônita, enquanto o cientista e a repórter visivelmente não o escutavam. segunda-feira veio com a poeta de literatura pretística que perguntou por que nunca me autorizo/ autorizam a ser escritora, mesmo escrevendo há mais de dez anos. fiquei atônita e então escrevi alguns versos que não entendi. a terceira veio ontem, na fala de uma pessoa que compartilha suas leituras no youtube, eu estava procurando sobre j. joyce e ela disse assim sobre Ulysses: você tem que enfrentar esse livro como ele de fato é: um livro – objeto de leitura a ser iniciada e finalizada, não como um monstro. fiquei atônita e terminei de ler Retrato de um artista quando jovem. em algum momento o pensamento de Dedalus “era uma penumbra de dúvida e autodesconfiança, iluminado em certos momentos por clarões de intuição” e eu fiquei feliz com a coincidência. pelo caminho da piedade e do terror, tive muitos pesadelos que revelaram todos os meus medos - o cientista sidarta disse que qualquer sonho transforma a vida da pessoa e, claro, fui transformada. há que se lembrar do simples e como também o jovem Dedalus, “desejo apertar em meus braços o encantamento que ainda não veio ao mundo”. será isso possível? será que encontraremos finalmente os pássaros que cantam? ou o tal coração selvagem de Clarice? desculpa tantas perguntas, sou ainda muito jovem e tenho tempo para devaneios...

maio

a origem é hilda hilst, a não lida. houve um curso belíssimo, que seguiu com um exercício curativo de escrever um poema, partindo de algum verso dela da foto 2. escolhi "Há de marcar em fogo o mais vivo da pedra." fazia tempo que não me colocava à prova de comentários e considerações sobre algum poema meu. foi bom e gostei. corta. o livreto "três vezes hilda" ficou gratuito e eu queria ler cartas do caio fernando abreu a ela. dentre as maiores belezas, é narrado o dia em que ele conheceu clarice lispector. "ela é demais estranha" e, a meu ver, de uma doçura desconcertante. corta. voltei a assistir a entrevista que ocorreu 10 meses antes da morte de clarice, para atentar a tudo que não tinha visto ainda das outras tantas vezes. "não sou triste assim, é que hoje estou cansada", ela diz. tinha acabado de escrever a história de Macabéa e afirmou que, ali, estava morta e falava de seu túmulo. o entrevistador quer saber o título do livro, mas há 12 possíveis para A hora da estrela. eu amo profundamente a história de Macabéa. corta. faço menção à felicidade clandestina de ler um livro para comemorar o dia do livro. fim, só que não, porque o rótulo de escritora difícil turvou as humanidades. são mulheres, somos mulheres. somos todas pedra, língua e iniciação. como orides fontela, que também é difícil e aniversariou junto com hilda. é com ela que quero terminar essa tour:
"Se vens a uma terra estranha
 curva-te

se este lugar é esquisito
 curva-te

se o dia é todo estranheza
submete-te — és infinitamente mais estranho."

abril

30 dias de suspensão das aulas presenciais, mas essa foto foi depois de uma manhã de planejamento de atividades e aulas online, momento em que sempre sinto um vazio e uma insegurança imensa. não há nada romântico nessa adaptação ao home office. é difícil e muitas vezes insustentável, por isso tenho lido muito mais. lido o que me dá prazer, lido unicamente por prazer. fico prostrada no sofá por horas e costumo ter frio. Hudson sempre me traz o lençol e ontem ele disse que tava linda a cena: eu, a revista, as cortinas, a luz. pedi que registrasse e ele fez essa foto bonita, gostei. 30 dias que estamos muito próximos e cada vez mais íntimos, o que poderia ferir dois lobos solitários, mas ainda bem que não. conto pra ele tudo o que leio. ele me conta todo o enredo dos jogos de mundo aberto que joga. e me diz "chore não, mozina", quando percebe que tou usando minhas forças pra segurar o choro, pq sabe que sou dada à psicologia reversa e a ser teimosa. e eu choro. e me faz morrer de rir com as piadas e brincadeiras mais originais que já vi. 30 dias - acordei um pouco assombrada por todo esse tempo. sinto muito por tudo o que o mundo tá vivendo, mas agradeço todo dia pelo privilégio de continuar trabalhando, mesmo com a angústia; e por continuar bem, apesar de algum choro.

sábado, 13 de junho de 2020

irmão,
que terror sonhar contigo com blusa branca de algodão

(e porque é preciso esquecer
lhe cai bem a áurea)

vai-se para lá,
invenção

inferno de te ver em ouro,
irmão