quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Semanário

1.
ele vocaliza
em improvável descanso
o anu no nim

2.
regra do trabalho
não há teia sem o toque
também o descanso

3.
no poste elétrico 
câmera de segurança
novo galho verde 

4.
o medo adulto 
não silencia as crianças 
a chuva é trégua 

5.
pássaro viúvo 
sabe que ainda vai cantar
não fica sozinho 

6.
domesticar cães
é ilusão. ainda uivam
em coro selvagem

7.
na beira da praia
roupa, óculos e galho
o urubu carrega

A janela

a janela do escritório do lugar que vou chegando devagar há anos. a janela que se fez limpa, que foi limpa, abre-se para uma claridade limpa e clara e olhar pela janela toda aberta é coisa rara mas tão prazerosa, tão perigosa agora sem as telas. a janela descansa a vista que pesa musculosa, muito rijos estes músculos, os únicos desse corpo. e são musculosíssimos estes olhos já não querem descansar olhando através da janela limpa por onde entra a claridade do resto do sol ou das estrelas que brilham em formato antigo e que não saberemos jamais se é estrela ou máquina de homem.

Não acredito

não acredito que vou escrever para você
para te pedir justiça ao Esquecido
quanto desperdício ter essa máquina 
mas não serei pontual, isso eu me recuso 
não temos compromisso canino qualquer
não tenho interesse em catalogar novas espécies
talvez a gente pudesse conversar 
não sobre a linguagem, sobre as trevas
e sobre as pessoas que sentem vergonha


quinta-feira, 28 de julho de 2022

BR 101

na envergadura de um pé de cana
uma pessoa observa 
depois da chuva, as flores são brancas 
e isso é uma espécie de ilusão
entre o contraste do verde com o resto 
aquele verde pelo qual Belchior chorou
mas não era Belchior ali
naquele sonho, era noite
e eu estava deitada também 
no meio do canavial 
vendo as estrelas 
foi quando registrei essa paisagem
desde então, se vejo as flores brancas
da cana-de-açúcar
quero deitar-me entre elas
esperar anoitecer
e enfim ter coisas novas pra dizer

quinta-feira, 7 de julho de 2022

OS DIÁRIOS DE VIRGINIA WOOLF (1915 - 1918)

A primeira parte dos diários de Virginia Woolf, que li pela versão da Editora Nós, começa aos 33 anos da autora, momento que circunda a publicação de A viagem. Não vou fazer desse texto uma espécie de lista de referências, então sugiro pesquisar qualquer informação que esteja incompleta, afinal é Virginia Woolf, mulher que já teve sua história revirada e chegou até a filme com Oscar.

Falo dessa maneira como forma de imitar a escrita do próprio diário, em alguns aspectos ampliado pelos hiperlinks que explicavam a palavra e a referência. É um diário no qual era evidente o desejo de ser publicado, escrito por uma intelectual que acompanha e resenha livros e que sabe da importância de não precisar, necessariamente, explicar que James era Joyce, ou que Aldous era o Huxley.

Na psicoterapia, hoje, comentei uma passagem desse diário que acabei não destacando e agora não sei bem como está literalmente escrito, então é a minha impressão do que ficou. Há um momento em que Virginia e Leonard recebem um amigo que está visivelmente abatido e em uma fase ruim. De maneira cordial ao se puxar um assunto e também por sua inclinação fofoqueira, Virginia pergunta ao homem quem ele tem visto por aí. O interessante é que, na leitura, essa questão me saltou aos olhos. 
Virginia e Leonard moravam nos arredores de Londres, em uma cidade menor e, eventualmente, ela ia à capital simplesmente para ver gente. Tinha as obrigações e alguma luxúria na papelaria, mas, em geral, era para socializar. Há muitas passagens em que ela descreve a necessidade de ir a Londres para ver gente. 

Não era uma imagem que eu havia construído da autora até então, afinal o que se torna obsessão quando se trata dela é a questão emocional, o suicídio, os colapsos. Para uma pessoa com esse estigma, espera-se que seja no mínimo reservada, reclusa, silenciosa. Muito pelo contrário. Fofoqueira e maldosa, eu diria que é a forma como ela mais se expressa, além de muito engraçada e genial. Como menciona Leonardo Fróes na apresentação de "A importância do riso e outros ensaios", ela se envolve com questões do dia a dia. Ela anda à cata de vislumbres pelas ruas de Londres. Ela opina com força e destemor.

Voltando ao diálogo de Virginia com seu visitante, uma coisa muito comum em sua casa, ele, ao invés de responder com nomes de pessoas que teria visto, responde que finalizou uma coleção de um livro mencionado do qual não lembro a autoria nem o nome, mas a impressão é que ele se referia a uma coleção de vários livros difíceis e importantes. Quer dizer, Virginia pressupôs que seu amigo estava mal - e de fato estava - ao notar que ele não estava vendo muita gente recentemente. Acho (começando especialmente esse período depois de ler um pouco de Judith Butler, a academia pira) que essa passagem é autoexplicativa, se eu considerar meu estado atual de sociabilização. Não que eu demande tanto assim, mas é realmente fácil e rápido ser esquecido.

Para além dessas bad trips, que já trabalho semanalmente na terapia e diariamente nessa cabeça que é minha vilã e heroína, destaco alguns trechos que consegui marcar no diário e que muito me identifico, ou não.

________
“creio que o patriotismo é uma emoção baixa”

“começo a odiar meu semelhante, principalmente quando olho seus rostos no metrô. É fato: dá-me mais prazer olhar para a carne vermelha crua & os arenques prateados.”

“ruas apinhadas são os únicos lugares que me fazem, como-diria-na-falta-de-uma-palavra-melhor, pensar”

“além do mais tem a vaidade: não tenho roupa para ir”.

“e sei que nós dois pensaremos, quando tudo isso terminar, que de fato uma boa noite de leitura teria sido melhor”

“só cerca de uma pessoa me parece bonita a cada quinze dias - a maioria não me parece nada”

“como está fazendo uma noite bonita & razoavelmente serena, talvez amanhã eu tenha um ataque aéreo para descrever”

“Ora, com lareiras, luz elétrica, trens subterrâneos & guarda-chuvas, como alguém pode notar o tempo?”

“minha teoria é que eu alcanço aquilo que é rocha pura dentro dela, através dos diversos vapores & poros que enojam ou espantam a maioria de nossos amigos. É o seu amor pela escrita, acho eu” - Sobre Katherine Mansfield

“quanto do que pertence ao espírito é dominado pela imaginação” - acredito que isso é uma pergunta.

Quem tem medo de Virginia Woolf? Eu não. 

quarta-feira, 6 de julho de 2022

Fricção

(Depois do Selvagem - Ciclo de estudos)

Eu queria viver 
dentro do sonho de uma ave
na caatinga do Brasil braseiro
trabalhando com meus parentes
eu queria viver
dentro do sonho de uma planta 
trocando sangue, suor e saliva com a terra
para não fazer cair o céu 
eu queria viver 
dentro do sonho daquilo o que existe 
nas bolsas dos olhos de um Krenak
e sentir o gosto rio Doce
eu queria viver
no fogo do centro da roda
no sonho da montanha
e também de toda a gente 


segunda-feira, 30 de maio de 2022

Esconjuro

Criada na maldade do silêncio

aposto que você se engasgou quando viu

Susan Boyle entrando no palco

e pensou como era ridícula aquela mulher

insegura e feia demais para a televisão

e se surpreendeu — quando ela abriu a boca

para cantar uma música que você não conhece


I dreamed a dream com aquele tempo que passou 

Quando as esperanças eram altas 

e valia a pena viver


Mesmo uma pedra

que não mete uma frase qualquer em francês

no meio da sua literatura

sabia mais que você

Eu sonho

no fim do dia o vizinho anuncia
a chegada 
        do bocejo 

        eu sonho

depois da torta na cara 
        da Gioconda
com as pedras de enxofre 
        de Sodoma 
o escuro
da rua de casa
onde portas respiram
        e o abdômen
expande e explode

mas aí já é
        outro sonho

quarta-feira, 18 de maio de 2022

Três documentários

1.
Susan Sontag comentou, certa vez, que o escritor é aquela pessoa que se interessa por absolutamente tudo o que se passa no mundo e que, por isso mesmo, é tão difícil morrer. Ela que driblou duas sentenças de morte porque se interessou em saber que havia médicos em algum lugar do mundo que insistiam em quimioterapia. E ela estava certa, apesar de que, na terceira vez, ficou impossível fugir do diagnóstico. 

No documentário Regarding Susan Sontag (2014), dirigido por Nancy Kates, é um pouco controversa a forma como é narrada essa certeza na vida. Na primeira cena, vemos Susan falando o quanto ama a vida, mas, como uma narrativa documental, terminamos o filme com a impressão que era pura arrogância da autora gostar de estar viva e querer estar viva. Essa impressão é corroborada com uma série de depoimentos que levam a entender como Susan acreditava - segundo a narrativa, erroneamente - que poderia chegar ao "panteão" dos grandes escritores e que havia algo divino reservado a ela nesta vida, coisa que a frustra durante a idade mais avançada, ou pelo menos é o que dizem. Quando sai o livro Sobre a fotografia (1977), alguém chega para elogiar a edição e ela apenas responde: "mas não é tão bom quanto Walter Benjamim, não é?". E o seu interlocutor concorda, tentando amenizar afirmando que é a melhor obra escrita no século XX pós-guerra. Quantos filtros!

Por si só, essa forma de construir uma Susan como uma pessoa iludida é incomodamente contraditória e, ao mesmo tempo, cabal sobre o que o documentário mesmo questionava acerca da recepção das obras dela. Como se tivéssemos ali o seguinte quadro: essa é Susan Sontag, uma intelectual extraordinária e nosso exemplo para provar que ninguém é extraordinário. Por que não se pode chamar uma mulher queer - com a licença do termo contemporâneo - de extraordinária? Porque a mulher sempre tem que parecer alguém que não foi capaz de alcançar tudo o que acreditava que a ela estava destinado. Acontece que isso diz muito mais sobre uma misoginia estrutural do que ela de fato fez. E fez muito além do que o suficiente. 

É assim que, no documentário, não há algo elementar para se contar a história de Susan: o erótico, mas tão somente o hermético, porque não há nenhuma novidade nessa estrutura, nada que nos assalte ou fleche de súbito.

Susan Sontag era o próprio Eros quando escrevia e vivia, um ousado cupido, inclusive em toda a sua rebeldia. Quem, além de um gênio, ficaria triste por não ser um gênio? 

Susan Sontag, por Peter Hujar (1975)


2.
Em uma das cenas, ela aparece ao lado de Agnès Varda, em um programa de televisão e Susan está respondendo a pergunta, enquanto Agnès está fumando um cigarro no estúdio. É uma cena que sinalizou para o meu algoritmo, até porque cheguei a esse documentário pesquisando no aplicativo da HBO Max por Agnès Varda e não há nada dela na plataforma que não seja essa cena com Susan Sontag. 

Pesquisei no streaming porque, no dia anterior, assisti a Visages, Villages (2017), filme da Agnès Varda e do JR, fotógrafo francês que a acompanha com muito humor e compaixão. Nesse documentário indicado ao Oscar em 2018, eles circulam por alguns vilarejos da França para estampar em paredes um pouco de vida. Fotografias de pessoas comendo pão, o rosto de uma descendente de um minerador, peixes em uma caixa d'água, esposas de trabalhadores, um bode com cornos, Guy Bourdin, os olhos e os pés com uma unha minúscula de Agnès. Entre todas essas imagens, uma em especial se ausenta e, por isso mesmo, fica para o final do filme. É a imagem de Jean-Luc Godard, ao qual Agnès se refere desde que viu que JR não tirava os óculos (este também não tirava o chapéu). 

Godard não só deixou de atender a porta de uma casa hermética, blindada, quanto também se deu ao trabalho de deixar uma mensagem escrita no vidro de entrada. São duas ações decepcionantes e, mesmo assim, Agnès responde a mensagem desenhando, ao final, um coração. Esse é um momento interessante, quando ela se deixa mostrar todo um percurso humano de reações: mágoa - tristeza - entendimento - aceitação - ressignificação. Isso poderia não ter entrado no produção, mas estava lá e quem assiste aprende um pouco que a ausência das pessoas no momento em que contamos com ela pode ser tanto uma punição maquiavélica quanto um traço performático de algum artista escorregadio. Imagino que seja por volta da velhice que podemos aceitar tal rejeição com tamanha resignação e "bola pra frente". É porque, talvez, o que esteja à frente seja tão pouco que é melhor não perder tempo. Eu chorei sem lágrimas do início ao fim.

Quando não se tem muito à frente, é preciso "aprender a esquecer". Foi essa resposta que Edwin Honig disse ao seu sobrinho quando este perguntou: se você tivesse a audiência de todo mundo, o que diria? É uma resposta um tanto óbvia, já que seu sobrinho filma essas respostas no agravamento da doença de Alzheimer do tio. Edwin foi um poeta, tradutor e professor nos Estados Unidos e não tem nenhuma página da Wikipédia em língua portuguesa, mesmo ele tendo sido responsável por traduzir muito do Fernando Pessoa para o inglês. Mesmo tendo recebido uma medalha de reconhecimento pelo trabalho em língua portuguesa pelo presidente de Portugal. Também recebeu honrarias do rei da Espanha. Mas ele não tem uma página na Wikipédia em nenhuma dessas duas línguas (na verdade, em espanhol tem, mas não é completa, é mínima a quantidade de informações).

"Visages, Villages" (2017)


3.
O documentário First cousin once removed (2013), dirigido por Alan Berliner, sobrinho de Edwin, fez parte de mais uma convergência do "meu algoritmo", como diz meu marido. Funciona como um mosaico que retrata o percurso da doença de Alzheimer no poeta, que continua proferindo frases fortes e de impacto, como "As folhas são os imperadores do tempo", ou coisa semelhante. Há algumas cenas desse filme que são muito dolorosas, sobretudo quando Edwin já não consegue articular uma palavra sequer. Ou quando ele não entende mais o que significa amar e pergunta: o que é isso? Logo o espectador é tomado por uma compaixão, um repúdio, uma pena. 

Um ponto de virada muito importante na estrutura dessa narrativa é quando vamos descobrindo, junto ao Edwin, que ele tem filhos. Ele e sua segunda esposa adotaram dois bebês e ela conta o quanto ele foi um excelente pai de bebês, mas que, quando as crianças passar a ter o mínimo de independência, ele se tornou um pai cruel. Um dos filhos aceita ir visitar o pai e afirma que todos esses nomes importantes da literatura, traduzidos pelo pai, como Fernando Pessoa e Miguel de Cervantes, são conhecidos por ele na mesma medida em que despertam o pavor, são como espinhos. A mãe desses filhos disse que não consegue mais ler poemas por causa dos traumas com Edwin. O outro filho sequer consegue priorizar o pai para uma visita mesmo no estado terminal em que ele se encontrava. 

Nesse momento, percebemos que intimamente - no trato doméstico e familiar - aquele homem que estávamos sentindo compaixão foi, na palavra de um dos seus filhos, um "asshole", um cretino, um cuzão. Que ele pode agora estar imitando o canto de um passarinho ou lembrando do irmão que morreu, mas que em boa parte da vida foi um cretino com seus filhos e ex-esposa. Que foi um professor compassivo, mas abandonou a família.

E ele tinha um livro de Susan Sontag na mesa de trabalho. 

First cousin once removed (2013)

_
Um dia eu disse, na psicoterapia, que estava desesperada por histórias reais, para poder preencher um pouco da apatia e do desespero dessa fase deprimida. Para poder entender como outras pessoas queriam viver, mesmo sentindo, naquele momento, uma completa falta de conexão humana e um isolamento aterrorizante. Comecei por todos os filmes que eu mais gostava, aqueles que me tocaram de alguma forma inesquecível - não necessariamente obras-primas da crítica. 

O fabuloso destino de Amélie Poulain. Na natureza selvagem. Harry Potter. A casa do lago. 

Ali me dei conta de que todos eles narravam histórias de pessoas solitárias que procuravam conexão. Reconhecer esse padrão foi assustador, porque eu gostava desses filmes exatamente em virtude da identificação, de me ver representada ali. Então eu fugi da ficção, que sempre me ajudou, para os documentários. 

Ainda não voltei para a ficção e não consigo ler poemas. Mas li Olivia Laing e Brené Brown, esta que chama de Gremlins os pensamentos que a sabotam. Em Gremlins 2, Susan Sontag é mencionada. Ela é o meu para-raios. Com os raios.

Gremlins 2 (1990)

terça-feira, 17 de maio de 2022

Despertador

I
acordava em casa
com o barulho da minha mãe martelando a carne
na tevê a Fórmula 1 
depois meu pai ligava o som
começava um dueto com uma latinha barata
então eu tinha que levantar 
olhar todos os anjos de gesso que colecionava
e reclamar do barulho enquanto via
que a casa estava sendo pintada 
de cinza

II
ali eu descobri que a mesma mão 
que eu segurava até adormecer
arrancava carrapatos do cachorro
e estourava com a unha
essa foi minha primeira lição de morte

III
nossas mãos são também animais judiados
anjos que precisam de calor
e qualquer coragem
para pintar a casa 
de amarelo 


quinta-feira, 14 de abril de 2022

Diadorim

Diadorim é o meu amigo 
mas ele aperta meu peito 
com seu efeito
mesmo assim eu o cumprimento
bom dia, Diadorim,
vamos lá 
desculpe a violência 
logo seremos inteiros

domingo, 3 de abril de 2022

Escala 10:5.000.000

1.
uma criança anda com os pés na terra
pés tortos com um osso faltando 
o osso que não faz falta
corre a dois braços abertos 
vestida com fraldas e sorriso desdentado
no início dos anos 90, no interior do Pará

dizem que sou eu, que não tinha aquele osso
que corria para os braços de Rose
não há provas a não ser a palavra 
e uma fotografia já danificada 

2.
um dia esses pés desentortaram 
e caminharam por dezenas de quilômetros 
na capital chilena e se encheram de bolhas
como quando chegava do trabalho ao meio dia
na melhor cidade do Oeste
e, mesmo com calçados, queimavam-se
com o calor daqueles dias

3. 
um dia ensinaram aos braços 
como não se mostrarem grossos, tatuados e nus 
isso foi com o cerrado em época de seca 
e ainda se sente na boca o gosto do barro
e do céu sem nuvens 

4.
o corpo retirado do barro 
hoje vive num banheiro do Pitimbu
não se engane que aqui não faz parte de Natal
talvez a Natal só restem os cabelos cortados 
que vão ao lixo
os cabelos que caem 
que vão ao ralo
a cor amarelada do gesto involuntário do sol

5.
com naturalidade, a maior parte de mim
o tórax, as coxas e a cabeça 
pertencerão ao que chamarei 
por um novo nome ainda desconhecido 
surgido de um baralho de tarô
elucubrações dos astros 
ou de lugar nenhum 

ali onde deitarei não mais as lágrimas sem gosto
mas os meus documentos 
enterrarei novamente este corpo

quarta-feira, 30 de março de 2022

Diário de terapia

Nessa narrativa mítica
o arco da heroína deve declinar
no auge do clichê — o enigma das duas portas

Na primeira, ela perde para a mania
na segunda, para a folga


sexta-feira, 25 de março de 2022

Instruções para chegar a Natal

I
Erguer as pernas e chegar
no escuro 
à Cidade do Sol 

II
Manter os olhos cegos ao sol
para alcançar o detalhe das pernas expostas
e o suor na calcinha 

III
As pernas são lastro de dunas 
falha ou criação —
 lição para habitar aqui:
sempre na sombra
sempre em movimento

IV
Entender a cidade a que não se pertence
a única que se reconhece
é uma questão pro samba

V
Quantos anos são necessários para pertencer
a esta cidade? 
dez      vinte          vinte e nove? 

Um sobrenome local?

quarta-feira, 16 de março de 2022

Cidade do Leste

era próximo da hora do almoço
vocês se lembram sim eu não estava normal
e isso sempre volta a ser uma história normal
e rimos balançando e baixando a cabeça
você lembra de que se cortava calças velhas
para virar uma bermuda ou aquela moda pega bode
pois era assim que eu estava vestida
e era um comentário normal, não dava ainda
para atravessar qualquer rio imagine aquele
sem peitos e quadris estreitos imemoriais
sem nunca aprender a nadar mas com uma regata nadador
pois era assim que eu estava vestida naquele calor
todas nós assim cabendo em três na traseira
da perua que esquentava a cada toque do termostato 
e a minha cabeça que esquentava
a cada minuto que alguém passava oferecendo chipa
assim que um deles passou correndo da polícia
com a arma na mão não tenho mais raiva
me ponho em torcida para que ele não tropece
antes de se jogar no sublime da Amizade

quarta-feira, 2 de março de 2022

Cinzas são todos os dias

Cinzas são todos os dias

mas hoje também, há quem diga

e quem pintou em Chauvet saberia

é preciso juntar os ossos

triturar e umedecer o pó com solvente

para pintar o corpo de uma mulher

depois esperar vinte ou trinta 

mil anos

até que ela respire apenas carbono

estocado das raízes


Não fazemos mais tudo isso 

todos os dias

e nenhuma mulher feita de Cinzas

está em segurança

com sua cabeça protegida 

na carcaça de um bisão


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Pedregulho

não existe mais pedra hoje em dia
me disse agora H.
pra que eu entenda que ninguém 
ninguém existe         mas nem os antigos
não nem — ninguém  ninguém 
mais conta histórias nem lacera os dedos  
estancando a fonte de sangue 
que escorre da pedra 


Mineral

assisto ao meu pai falando da bauxita
que aguenta as chamas 
de mil e setecentos graus celsius
enquanto aponta pros tijolos refratários 
da churrasqueira de casa alterando a voz
para o tom professoral conhecido

       distraído o raciocínio canto hoje
voltando do meu trabalho professoral 
o refrão 
do Pequeno Perfil de um Cidadão Comum 

não há outra chance de ser 
feito aquela gente
       comovida 

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Hoje à noite

Para minha vó Primina (in memorian)

sinto o cheiro da minha vó 
talco, hidratante Nívea, Minancora
batom da Avon, perfume Natura 

quando morreu, foi um pouco para cada filha
o cheiro e as roupas
uma dezena delas que até chegou 
às netas, mesmo eu — que só a via 
a cada dois anos e não sabia bem o que falar 
diante dela

minha forma de mostrar deferência
era comer a salada de acelga até o final 
depois que todos terminavam
esperava que ela reparasse 

nesses dias, levei para lavar minhas roupas
na casa da minha mãe, que reconheceu 
as roupas da minha avó que eu uso
levou ao rosto e eu sabia 
que ali ela também sentia
aquele cheiro que hoje à noite 
vestindo minhas próprias roupas
eu também sinto 

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Carinhoso

para o meu avô Rizzieri (in memorian)

oito de dezembro
mil novecentos e vinte e um
eu me lembro de quando era mais fácil
durante o primeiro navio
mas não quero voltar 
pelos filhos
pelo século 
tudo de novo
deixe-me recomeçar
em outro lugar
um lugar melhor
muito melhor
que a memória 

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Flamboyant

a um certo ângulo, quando sentada na cama, vejo uma árvore da qual desconheço sua morfologia e nome científico. sei dela porque a vi tantas vezes no caminho pro sertão; sob sua sombra, as vacas e os cavalos judiados. essa árvore está a uma larga distância, mas ainda a vejo numa área que é sempre verde, já que circunda o vale do rio. quando estou para morrer, me imagino sob aquela sombra, em silêncio e sem qualquer pessoa ao redor. isso não me consola por completo, afinal sempre há alguém olhando para longe. também não me consola porque penso nos bichos e eu não sou muito dada a comunhão com formigas. nesse momento também sempre me volta o telefonema do meu pai, quando soube que a pressão ultrapassou a rua, e diz que não deveria ter sido assim. que eu atropelei o que estava previsto para meu futuro, assumi coisas por demais precocemente. fico me indagando se entendi toda a lição de forma errônea, quando tantas vezes eles me contaram sobre coragem de ganhar a vida e me parecia tudo tão cedo, que até meus vinte e cinco anos soaram tardios quando tudo começou. sob essa árvore qualquer, num campo qualquer e provavelmente propriedade das forças armadas ou de algum coronel do interior que fez fortuna com a posse, eu queria voltar a escutar os conselhos dos meus pais sobre minha vida em decisões ou sobre apostar na loteria quando há mais chances. que tenho uma certa liberdade e dedicação que eles não puderam ter. poderia estar acumulando títulos emoldurados nas paredes, talvez iniciado uma editora decente, estaria dialogando nas universidades sobre qualquer coisa sobrecomum daquela linguagem pedante. mas a lição foi a de trabalhar, estava tão evidente. quando foi que este flamboyant foi descrito nos autos, real, pedagógico? com um nome, um destino, e o valor minguado do meu tempo?


 

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Róseo paravulcânico

quando se entorta o céu
decantar todas as partículas toma séculos 
então você se esquece de que qualquer destruição 
pode ser magenta 
e que disso não se criam artistas
antes coteja o sono dos justos 
a uma impinge  
porque da areia da praia ninguém sai ileso

domingo, 30 de janeiro de 2022

Registros de sonhos

era meu casamento, me vestia de branco e tinha algum penteado no cabelo. por algum motivo, eu desistia de casar, ou era abandonada, então tinha me tornado uma espécie de mulher sob influência. desmontei o penteado e virei taças inteiras de vinho. o vinho tinha gosto daqueles baratos, ruins, frutados demais. depois descobria uma taça melhor. queria me embriagar e não conseguia. ninguém tinha pena de mim.

*
me vesti como a rainha elizabeth ii, mas o vestido era transparente e muito curto. tentava escolher as jóias, mas acabei optando por uma combinação muito extravagante: todas com pedras vermelhas. tirei e substituí por uma gargantilha de pérolas preciosas. me sentia ótima com aqueles conjuntinhos de uma cor só e todos diziam que eu ficava realmente parecida com ela.

*
sonhei que estava em uma parte da cidade onde tem um bar que eu frequentava. algumas pessoas estavam se organizando para uma festa, um monte de garotas que eu já vi por Natal e elas estavam todas vestidas iguais, como se para amadrinhar um casamento. em algum momento, acompanhava essa festa de longe, mas com alguns adultos e idosos que eu não conheço. conversávamos sobre araras e papagaios. havia muitos por ali, livres e enormes. alguns davam bicadinhas amigáveis em quem passava, mas eu sempre tentava ficar à distância. também falamos da dificuldade em sobreviver nesses tempos sobretudo financeiramente. e eu me lembrei dos meus pais e da minha irmã. nesse entremeio, eu ganhava algum dinheiro de algum benfeitor e pensava: vou comprar uma máquina fotográfica. vou anunciar que quero comprar uma máquina semi profissional e para isso preciso ter pilhas. então eu procurava uma tomada para colocar o aparelho que carrega pilhas no meio da festa. encontrava, mas alguém tentava roubar. eu insistia que só precisava de duas pilhas, então que levasse as outras duas e me deixasse com duas. o algoz aceitou o acordo e eu contei sobre isso em uma sala de aula, onde encontrei alguns dos meus piores alunos quanto à disciplina, todos juntos, como naquele dia em que dei a aula de recuperação final. foi um susto, igual aquele dia que passei por uma gaiola de papagaios e eles gritaram.

*
3 partes de sonhos de uma mesma noite 
1)
sonhei que visitava Thalita no seu apartamento novo. era numa rua de barro, primeiro andar e uma varanda bem larga. apartamento amplo de um cômodo só, rústico, com uma cama na sala. eu sugeria que ela colocasse a cama acima dos degraus, à esquerda da sala, pois assim seria possível pendurar ao redor uma cortina que isolasse e desse o mínimo de intimidade ao sono. era uma vizinhança barulhenta.

2)
em uma casa de praia que fazia as vezes de Muriú ou Barra do Rio, o filho de um colega com apenas 3 anos nadava na piscina de 1,5 metro de profundidade. ele nadava bem, não inspirava medo. nesse momento, Maria Helena, minha sobrinha, tinha uma média de 3 anos também. convém mencionar que eu só a conheci aos 7 anos de idade. ela estava muito leve e feliz, brincando com outras pessoas. quando fui brincar com ela, propus que escrevêssemos uma história e ela começou a ditar para que eu registrasse. o nome da história era "A galinha" e eu até brincava que, na capa, ao invés do nome, desenhássemos apenas a letra H e uma linha do lado. ela não entendia a piada, porque só tinha 3 anos.

3)
estava no quintal da casa da minha avó Primina e era um quintal com uma piscina enorme, mas rasa. essa piscina era de algum fluxo de água natural represado para as crianças brincarem. de longe, se via algumas quedas d'água não muito altas, mas excepcionalmente bonitas. eu tentava tirar uma foto daquele azul e, como em todo sonho que eu tento tirar uma foto, ela ficava feia ou tremida. nesse sonho eu encontrava tio Walter e ele estava bem animado, só muito gordo e barrigudo. não me lembro de já o ter visto tão pesado, sua barriga ficava muito apertada numa camisa polo. tio Walter e minha avó já morreram.

*
atravessava uma parte de Natal a pé, partia do Baldo ao Paço da Pátria, subia em direção ao Alecrim e seguia pelas Quintas até o Bom Pastor, de volta às Quintas e, de novo, Alecrim. na parada de ônibus principal do Alecrim, em frente ao teatro Sandoval Wanderley, encontrava uns conhecidos da internet e nas Quintas via, entre as dunas, um pôr-do-sol belíssimo que, para variar, eu não conseguia registrar em foto. estava descalça durante todo esse percurso. e sozinha.

*
sonhei com dois artistas que não conheço, mas que acompanho em redes sociais. um deles é a ex-namorada do romancista suicida. no sonho, eles cantavam uma música profundamente triste e que encheu os olhos de lágrimas de todos, inclusive os deles. me contavam que o rapaz também havia perdido uma companheira deprimida para o suicídio. depois víamos alguns trechos de seus ensaios em uma tevê, ambos sempre com os olhos vermelhos de chorar. entendi que a dor os uniu, mas o que eu tenho a ver com isso? será que tenho pensado demais nessa autoimolaçao? 

*
sonhei que era perseguida por um ouriço do mar, em um mar de cor amarronzada.

*
caiam águas-vivas do céu.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

ASO

Numa tarde de verão, espero na clínica 
escoro uma cadeira de plástico 
sem encosto de braço 
na parede encardida 
       e fecho os olhos

é o momento de ouvir a vida elementar
perguntas genéricas — peso, altura, telefone 
medição de pressão arterial 

       ventilador empoeirado       e pendurado
a cada indagação se está entrando ou saindo
"de quê?", eu me pergunto sabendo da resposta
e reconheço na respiração a privação
de quem vai ao caixa com penar 
 
é também uma provação aguentar tudo 
e ainda estar apto para trabalhar

abro os olhos e mapeio o acesso aos celulares
cada qual com uma película diferente
proteção de nossa personalidade

penso durante a espera como são os trabalhadores brasileiros 
os únicos a prestar homenagens aos artistas
       com o nome dos seus filhos
e a mentir para os médicos que não olham 
os olhos da gente
       eis o nosso triunfo  

aqui é o lugar daqueles que lidam com os últimos 
       de uma boa espécie
os celetistas
verdadeiros contorcionistas
       da máquina não lírica 

qualquer outro que aqui não pise
oblitera a jurisdição da melhor piada
sobre este ou aquele partido político
       ou sobre a Terra Prometida
a aposentadoria
disfarçada na pobreza
       imantada

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Copyright para Herberto Helder

 de carro, paro na sombra
alguma coisa obsessivo-compulsiva 
com o volume do programa no som
        é preciso contar por múltiplos 
de cinco
o assunto agora é qualquer coisa
espacial 

escuto na rádio novidades da Via Láctea
no volume vinte
como estão repletos de notícias 
os outros planetas  
        e tantos há que qualquer um pode descobrir
cinco 
por dia
então procuro as tais fotografias 
do quinto planeta - Júpiter 
        
       entre as fotos, qualquer trato 
impressionista 
de quinta 
a fotografia do carrossel é um zoom
        não se vê o planeta todo 
frame
um prato de macarrão ao sugo
tempestades de fogo
a Catânia

desde a última enxaqueca 
        cinco buracos no crânio eram suficientes
para expulsar as dores os demônios 
na Terra
há diversos buracos semelhantes 
e em Júpiter é impossível 
        ainda assim havia brasa sem emissão de carbono 
sem as máquinas é ainda mais bonito 
que as novas imagens do Sol
importantíssimas
descobertas
subliminares
                     uma tevê sem sinal 

estar debaixo do fogo dessa estrela
o Sol
é difícil  
       mas não contaram como é pior a brisa das cinco horas
quando saímos queimados 
pelo ouro 
tolo 
       sangue do ofício

A filha preguiçosa

minha mãe - a sexta filha nascida e vingada
      certamente a mais bonita de todas
saiu cedo de casa para trabalhar 
talvez por isso suas atribuições domésticas
não fossem tantas durante a adultez
e da infância não lembra muito 
       trauma luto complexo pobreza 
       são engenhosos a apagar memórias 

ela ainda não gosta de limpar a casa
       nem eu
e ao cozinhar acha sempre insosso e sem graça
       já eu acho tudo muito bem salgado ou primoroso

minha mãe nos criou para estudar e trabalhar
       é isso o que fazemos de melhor
então sempre houve briga em questão de louça 
sem acordo ou gentilezas 
nunca lavamos a louça inteira, digo, eu e minha irmã 
       as panelas ficavam para minha mãe

fico tentada em deixar as panelas até hoje para ela lavar
não lavo todas, sempre deixo uma 
para que ela comente
       ela ainda não lava as panelas 
a minha pequenina preguiçosa 


Dia de cão

Para Meg

Nesse verão incendiário 
depois do almoço, deitar ao sol 
deixar que os novos 
comam o resto dos ossos
e voltar somente quando me chamarem
para catar os carrapatos 

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Susto do cão

O cão pega um susto e corre a mim
nada que se ver ou ouvir
então ligo a tevê, que ela espanta fantasmas 
ele coça obsessivamente as orelhas 
lambe as bolas escuras
as patas se enroscam comigo na cama 
não é um cão de pedir intimidade 
mas não para de me olhar nos olhos
desço os degraus para trancar as portas 
ele me segue por cada passo
vejo sua sombra e seu reflexo na cerâmica 
cão estranho, me mete medo 
chamo-o de príncipe ou ursinho 
para lembrar de ser alegre e brincalhão 
não funciona e ele se assombra
humanos ou fantasmas, damos aos animais
pesadelos
esta casa vazia também me põe medo, cão
e eu entendo sim de pesadelos
por isso mesmo só há receita 
para tua salvação


Pedra filosofal

Segunda-feira num acesso de tosse acordei
fazia dias que não olhava para fora
nunca fui disso mas estava arquejando
e escutei uns risinhos muito discretinhos 
espiei pela janela e dois adolescentes passaram
com as lanternas dos celulares
por detrás do bloco vizinho
logo voltaram com uma pedra enorme
e o garoto magrinho e efeminado, uma gracinha
começou a arremessar a pedra com toda a força
um completo brutamontes 
em direção ao chão e eu fiquei perplexa 
queria saber por que estavam fazendo isso 
àquela altura da noite
a cada pancada na pedra, mais risinhos 
eu também passei a rir e quase me engasguei 
em outro acesso de tosse mas não queria tossir
e perder meu disfarce atrás das cortinas 
quando conseguiram produzir algumas rachaduras
com o martelo, o garoto criava faíscas e a garota tinha medo
porque uma nesga daquela pedra voou em seus olhos
pude escutar então põe seus óculos 
como se fosse uma ideia genial 
melhor riscar os óculos que a retina 
e eles ficaram até próximo da meia-noite nesse trabalho
sem hora extra e insalubridade
era a primeira lua cheia do ano
e eles quebraram a pedra 
como mineradores experientes
lasca por lasca em batidinhas cuidadosas 
vez em quando conferiam se não havia ninguém nas janelas 
eu que sou muito esperta 
troquei de janela três vezes
para não constranger 
nem eles nem a pedra impávida
contra a luz da lixeira coletiva 
tomava forma de sonhos e aventuras
acreditavam, decerto, que tinham encontrado naquele jardim
cheio de sapos uma jazida desconhecida
da mais preciosa gema - aquela energizada
de juventude eterna

Segunda-feira

toda segunda escrever algo novo talvez não dê
disse o paulo leminski que também queria uma
leitura mais crítica de tudo o que ele escrevia
muitos textos muita veneração leitura de vovó
está tudo lindo genial precioso me atravessou 
é impossível escrever tanto e ser tudo muito
bom mas pessoas gostam de nomes distintos
uma ascendência polaca italiana alemãzinha 
uns gueri-gueri adoentados parecem intelectuais
gracinhas políticas extraindo minérios todas as
segundas-feiras sair no jornal efêmero de 24hs
de todos os leitores importantes e igualmente
passageiros o imenso poeta contemporâneo 

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Son of Sam

(em resposta à Ana Rüsche)

Estraçalhar coleguinhas ou namorados 
é a mesma coisa
mas você é muito bélica

não entende de delicadeza

O herói da minha infância
escutava os cachorros


segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Recauchutar sapatos adequados para a montanha

para povos antigos, a magia residia
onde ninguém alcançava 
na montanha imprudente
na araucária pretérita para a cachaça
quer dizer, não há mais magia na terra
já que alcançar o cimo da árvore 
ou a topografia espinhosa da cordilheira
é apenas uma questão de brios
lidemos com o real, enfim
esta última zanga dos deuses