segunda-feira, 18 de março de 2019

"estamos no limite do diálogo": uma série sobre não-comunicação

I
vulgarmente de pouca fala
algo nesta voz só se materializa
quando o outro é quem fala

é como uma memória antiga
de estruturas acomodadas e adormecidas

a mente do outro
translúcida em olhares e tons de voz
o passado não superado

tão fácil dizer o que se quer ouvir
assoprar a intuição na resposta defronte
e as pessoas receberem
como um estalo na alma
um beijo na testa
a terra é plana
e está tudo bem

ou passarem a mão como tubarão lixa
que mal não faz,
faz sentir
emociona
mas não se atrevem
a encostar outra vez
porque arranha

II
tão fácil
esse cárcere, mandado de segurança
confissões em capelas para o deus ausente
hermeticamente
em silêncio

III
de canto nenhum me ouviram
enquanto cantava qualquer em voz alta
liturgia para o grande nada

IV
peso-me à balança de vidro
com uma mandala de dor nas costas
bursite, tendinite, cartilagem rala
toneladas de quilos ganhos entre jejuns de fala
o incômodo à primeira vista,
tentação feminina infeliz
lembro do areal branco em movimento
redemoinhos de poeira
o peso da fala morta
que se consolida em alguns quilogramas a mais
em forma de útero abissal
e brasileira bandeira

V
não há nesta cidade alguém que compreenda
quando relaxada timbro a voz
sons de entranhas
verdades
sibilantes

VI
descobertas do banal:
algumas pessoas não tem sangue suficiente
para ouvir
implantam

implante
é quando me pedem para repetir:
dois é um número cabalístico

fraco, tenro, prostrado
raiz de todo o mal

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