segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

ASO

Numa tarde de verão, espero na clínica 
escoro uma cadeira de plástico 
sem encosto de braço 
na parede encardida 
       e fecho os olhos

é o momento de ouvir a vida elementar
perguntas genéricas — peso, altura, telefone 
medição de pressão arterial 

       ventilador empoeirado       e pendurado
a cada indagação se está entrando ou saindo
"de quê?", eu me pergunto sabendo da resposta
e reconheço na respiração a privação
de quem vai ao caixa com penar 
 
é também uma provação aguentar tudo 
e ainda estar apto para trabalhar

abro os olhos e mapeio o acesso aos celulares
cada qual com uma película diferente
proteção de nossa personalidade

penso durante a espera como são os trabalhadores brasileiros 
os únicos a prestar homenagens aos artistas
       com o nome dos seus filhos
e a mentir para os médicos que não olham 
os olhos da gente
       eis o nosso triunfo  

aqui é o lugar daqueles que lidam com os últimos 
       de uma boa espécie
os celetistas
verdadeiros contorcionistas
       da máquina não lírica 

qualquer outro que aqui não pise
oblitera a jurisdição da melhor piada
sobre este ou aquele partido político
       ou sobre a Terra Prometida
a aposentadoria
disfarçada na pobreza
       imantada

Nenhum comentário:

Postar um comentário