domingo, 6 de dezembro de 2015

não precisa ter cuidado com meus óculos

continue sonhando com bangalôs
ou indo à sua praça circular onde ninguém frequenta,
o seu prédio de arrumação de ideias
e o quintal de floresta e rio
que eu forçarei à visita

continue falando sobre seus casos

dirija em direção a qualquer canto que constantemente transites

continue não sabendo guardar segredos
antecipe-me

mas sobretudo continue falando e dirigindo num espaço teu
desviando dos buracos velhos conhecidos
infringindo leis de trânsito em conversões proibidas
e expondo todos seus casos
saindo rapidamente da garagem estreita da casa de sua mãe

perambule pelo que te é comum
manuseie o que te é comum, seja seu controle de videogame,
chaves e senhas de consultório

em contrapartida, ofereço-te meus indícios
em um amassar de óculos, prova cabal
em um borrão de pele úmida nas lentes,
em esquecimentos incógnitos pelo quarto
e em músicas e poemas dos outros

sobretudo músicas e poemas dos outros
onde pode haver um espaço de salvação constituído por todos os indícios
de todos os tempos
de lágrimas com sabores diferentes das de desordem ou exaustão

sobre o que não me é possível escrever
onde sempre te encontro
I
considerar toda as possibilidades
do ser e fazer humano
é consagrar-se precocemente
de qualquer jeito e de quase tal
toda contingência

fazer-se de objetiva sua memória
e rememora
rememora
remói
resiste o mundo, então


*
feito olhar os objetos iluminados e não a luz
a perseguição de todas as nuvens que se desfazem hora ou outra
imaginar-se entre o canavial que beira a estrada pro oeste
sob um número de estrelas sempre maior
ao que se tinha conhecimento
e ali descansar

II
o legado da vida mundana é poder olhar
e finalmente se fazer, se pertencer
vem, assim, difícil as palavras
pois se se pode olhar, não se fala
tampouco escreve

milan kundera diz que é escrever,
engana-se: a imortalidade é só ver.