terça-feira, 30 de abril de 2013

Quem me dera se eu fosse o pó da estrada (releitura)

e que corresse sobre mim
uma razão superior que reclame

quem sou eu que vivo a tocar
unicamente a porção superior
de minha tez em sinal de contrição

Quem me dera dormir a madrugada
somente acordar com a aurora
e não me ver na penumbra a uma luz artificial

Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena...

Cova

a sobriedade caiu
como um grão de atroz
do alto de um prédio de Dubai
ultrapassou a derme
por isso tem sido
a pior noite
de meus anos
na volta a mim
parasita profano
de uma ufania sem fim
a vida

homem (salvo Levi)

ser humano amoroso
tudo emana fascínio
de um homem

eu escreveria sobre os homens
mesmo se fosse um deles
pele, fendas, protuberâncias

hilst, aposto que nosso consenso
recai sobre o mesmo fim
homens, álcool, rock'n'roll
a doença da impura índole

latente nos cabelos
no colo, nos membros
no sexo que fingem fazem

homens, musos de poetas
fracassados e imbecis
meus musos

Levi ***

invento o teu nome
para poder gritá-lo
como o pavor rodeia
à noite

Levi, Levi, Levi
nem sei o que tu és
assiste-me, porém
a sanidade

ando esquizofrênico
esse poema é prova
que repudio
a realidade

mas atentes tu
que a tolerância tens
à loucura deste
que lhe remete

ainda aí estivesse
a calmaria velada
o rascunho banido
de noss'alma

Levi **

quando escrevi a ti
sobre nosso pretérito
do subjuntivo
achei-me tão objetivo
mas me deixastes passar

pudéssemos ter desenvolvido
algo de angústia
mas eu vivo a me perder
de mim

quanto ao mundo,
deixamos de nos assustar?
imagina que esperávamos
atravessar a linha
horizontal a qual escrevemos
e cantar nossas odes
ao som do suspiro

Levi, já estou no indicativo
as coincidências me assustam
eu esperaria mais um pouco
mas se esperássemos amanhecer
eu já não serviria

o belo das coincidências
o pingo sutil da goteira de casa
o vento gelado de uma terra quente
meus livros empilhados
a vírgula no peito
eu já nem vivo

a janela está aberta e eu olho
ouço a sirene de quem me promete
segurança
mas ainda tenho medo
dessa linha
desse verso
e do teu silêncio

haikai para Levi

está tudo bem
aqui, querido Levi
apesar da chuva

Levi*

Levi, quando te vi
tremi como copo d'água
que, ao passo forte,
vacila

então, colho a rua
e desabo nos canteiros
bueiros donde ela sai
fissura tua

a via não me presenteia
com rosáceos ramos
cansado, rumo
ao desengano

Oh!, não mais ouvi
os pingos grossos
da chuva no norte
onde mora Levi

onde deixo a bagagem
coragem da nuvem
poeta clichê
desiste de ver

Levi, você me deve
a vida em cor
o teu sobrenome
e um breve amor

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Escavação - Mário de Sá-Carneiro, Paris, 1913


Numa ânsia de ter alguma cousa, 
Divago por mim mesmo a procurar, 
Desço-me todo, em vão, sem nada achar, 
E a minh’alma perdida não repousa. 

Nada tendo, decido-me a criar: 
Brando a espada: sou luz harmoniosa 
E chama genial que tudo ousa 
Unicamente à força de sonhar... 

Mas a vitória fulva esvai-se logo... 
E cinzas, cinzas só, em vez de fogo... 
– Onde existo que não existo em mim? 

...................................................................... 
...................................................................... 

Um cemitério falso sem ossadas, 
Noites d’amor sem bocas esmagadas – 
Tudo outro espasmo que princípio ou fim... 

terça-feira, 23 de abril de 2013

Mormaço - Vinícius de Moraes, Rio de Janeiro, 1933


No silêncio morno das coisas do meio-dia
Eu me esvaio no aniquilamento dos agudíssimos do violino
Que a menina pálida estuda há anos sem compreender.
Eu sinto o letargo das dissonâncias harmônicas
Do vendedor de modinhas e da pedra do amolador
Que trazem a visão de mulheres macilentas dançando no espaço
Na moleza das espatifadas da carne.
Eu vou pouco a pouco adormecendo
Sentindo os gritos do violino que penetram em todas as frestas
E ressecam os lábios entreabertos na respiração
Mas que dão a impressão da mediocridade feliz e boa.
Que importa que a imagem do Cristo pregada na parede seja a verdade...
Eu sinto que a verdade é a grande calma do sono
Que vem com o cantar longínquo dos galos
E que me esmaga nos cílios longos beijos luxuriosos...
Eu sinto a queda de tudo na lassidão...
Adormeço aos poucos na apatia dos ruídos da rua
E na constância nostálgica da tosse do vizinho tuberculoso
Que há um ano espera a morte que eu morro no sono do meio-dia.

Em pensar que ele rejeitou esses versos...

O poeta é um criminoso


ao gozo d'alma
não se pode escrever
eu gargalho ao dia
à noite
à morte
ao gozo de uma
mediocridade

não posso escrever
sob o olhar da
ignorância
da felicidade
da inocência
da fartura
épocas de bonança

minto, pois já o estou fazendo
rabiscando um poema lânguido
aos olhos do
encantado
do iletrado
do limitado
sobre o inadequado

eu deveria ser preso
junto aos assassinos
de mulheres
de crianças
de passarinhos
por falsear uma realidade
e, aos olhos de todos
ainda não ser
crueldade

quinta-feira, 11 de abril de 2013

ao acordar

em ladeira sinuosa
mamas & papas cantam
nenhuma árvore ou união
frondosa

como dizer
o que ontem sonhei
nada que faça caber
dentro de tua lei

longe que canto
entre esse frio e o vinho
à paixão, porquanto,
entro em desalinho

soam teus nomes
teus vícios, teus verbos
entre os Andes e a fome
reinas, tu, soberbo

estou em via de queda
sem ter como contar
só, entre a sombra da alameda
escrevo-te por amar

deus crê em mim
eu creio em palavras
espero o amarelo jasmim
que teu verso lavra

imagem que eu abomino
nome que eu venero
busco por ti, pequenino:
sê meu grande esmero

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Vide arquivo

Esta será curta.
Como uma vontade ausente de unir os termos, de criar um (nexo), deixar claro. Que a impaciência amadureça, longe da minha zona de conforto. Como um sofá de dois lugares que incomoda que ali não se encontre ocupado completamente. É compilação de todas as utopias, de qualquer muro, das insatisfações e do abismo entre as boas e péssimas músicas. Como querer parar de reclamar, de declamar, de aguçar. Há de vir o dia em que qualquer sinônimo de ventura caiba na ausência: para (vocês). Que venham (me) noticiar isso. Que nunca me digam isso. Como se assim, por si (só), por imanência ao ego, me façam compreender que o deserto d'alma, ou seu ermo, seja reconhecido como a tão almejada harmonia.

(Prosperidade) e identificação: de ser.

É sempre assim, não é? Que começa uma lembrança. Períodos curtos, linguagem simples. Meu personagem é o que está rodeado. Ele não é tão simples mas foi o que ficou de papo pro ar. O que deitou aquela tarde e a dormiu. Dormiu-a (me observem ferindo a Língua Portuguesa). Dormiu a tarde, à tarde, como se fosse à noite e esperou. Pacientemente, esperou que a ausência corrigisse. Imagino-o entre um sermão e outro. Uma fila de trânsito, um revés após um dia ruim. Imagino-o ao meditar quando o barulho está ensurdecedor. Começou assim: eu não me recordo. Começou uma inspiração surgir quando: eu não me recordo. Vou parar por aqui. Aproveito o ensejo para chamar de volta a prosa que esqueci quando ainda me lembrava dos motivos que me faziam escrever. Hoje não os lembro mais. Que belo dia para desistir de pensar. Aproveito a oportunidade para transcrever a nota de uma velha alma: Sente cá comigo se te afrontas a vida. Pois os que contam com o costume de tolerar o fado, taciturno e meditativo, me é companheiro.

Aproveitemos a volta.