quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

perdi as contas da quilometragem
toda rodada na vida

nessa perda, criei parâmetros
como o da textura dos asfaltos ou barro
que levam a três pontos da rosa dos ventos

como reverberam com o corpo sentado,
o pêndulo dos seios quando os buracos
as instabilidades do assento
a fricção da calça jeans no clitóris
(o prazer num ônibus velho rodeado do desconhecido)
as rodas dos automóveis, novas,
ou o desalinho

e conheço todos os postos de gasolina,
onde tomei os piores cafés, até perder este hábito
ou os grandes galpões-facções

e coloquei entre meus dedos tantos cigarros imaginários enquanto só
para não voltar ao hábito

fumei o ar

e senti
o cheiro de carniça quantas vezes
dos animais mortos na beira da estrada

e na estrada,
as desconversas
os desvios:

perdi as contas dos esquecimentos
mas algo sobra

não sei o quê

poema para h. e as imagens

diz-me ao ler que gosta
de ter estado nas imagens
que boto no poema
no momento em que as vi

então antecipas o verso
me troca os ossos roídos
que eu rasgava aos bocadinhos
por novos passeios
para que eu possa continuar a ver
e a botar o que vimos
nestas letras

mas h., a surpresa
onde fica? quando você é a imagem?
ou quando são minhas respirações
e taquicardia noturnas e pernas bambas?
as músicas de striptease?

onde fica a surpresa, h.,
como ver sem ti?

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

existem tantos outros fracassos
a considerar
que apenas o de não ser o faroleiro
do farol de mãe luíza
...
como a tristeza de ana c com trintaium anos:
sua metástase moral
...
como as mortes diversas em hebrom
pela capital prometida

...

]
existem outros fracassos 
além de passar na via costeira
vivendo o delírio de acender a luz-guia náutica
em vez de ir para casa

...

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

sobre o que nunca vi e vi

nunca vi céu tão bonito
desde auschwitz
que nunca fui
ou desde são luís do maranhão
num sobrado que fui
como o céu do meu último dia no oeste

choveu e me avisaram
"olha que visage bonita"

nunca vi um raio tão de perto
desde camboriú
que já fui
ou desde a queda da caripina
que nunca fui
não me avisaram da visage
mas foi interrompido o batimento
e vi a quase morte num quasar
da nuvem carregada nesse mesmo céu

e
nunca vi um projeto de irrigação
com um nome tão poema
"projeto da morte":

mas isso é outra coisa
coisa que não se quer ver
no oeste

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

tema para a surdez

se não fosse a música eu já teria me ensurdecido
arrumando uma forma de não ouvir
ouvir seria o pior dos sentidos se não houvesse a música
por isso tantas vezes eu já quis ser surda
porque ver é bom, apesar da miopia, astigmatismo, hipermetropia
mas ouvir é fardo, é o fado mais triste
e se fala demais
uma fala distraída afastada devastada
pela distração do complexo ruído que sempre há
eu queria ser surda se não houvesse a música
ato fora do comum é
pegar carona
em que não há narrações de historias trágicas vividas por todos

ontem tinha iolanda,
só uma senhora, 
que falou de seus ossos todos colados
e frágeis 
como os de f. kahlo
e ela tinha anéis iguais aos meus
ela tinha brincos iguais aos meus
e um tom de cabelo igual ao meu

eternamente, iolanda

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

]
costumei agir estranho
desgastando meu dicionário de comoções
para se colocar no poema, além de escorrer
feito água das mãos de um malfeito
com cápsulas concentradas de ômega 3
mas ainda assim, deslizo, quando dá
degenerando conflitos mundiais
e preferindo justificar uma fúria de um gigante cachorro de madame encoleirado
em prol dos pobres ratos em tendas
para fincar essa tal bandeira pesada em terreno limpo
dobrar alguns tecidos e ser tal vinco