terça-feira, 19 de janeiro de 2021

porque tinha sal em minhas pestanas
(matilde campilho)
 
para dani
aqui dentro,
uma vontade de lamber 
            as pedras de uma represa, 
como um íbex corajoso, ou
ir para o lado do sol,
lamber 
            meu lábio
para que este líquido não inscreva
pálido, afobado,
um caminho para o sal

lá fora,
com a língua pujante da rasga mortalha &
o diapasão de seu grito,
o homem no labirinto festeja,
temperando o desterro 
            com o sal da terra

no fundo,
sabemos que salinas e pedreiras nunca perecerão
já nós 
sempre teremos sede

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

 para thiago medeiros


um perfil talhado em vincos de acne
tua foto no substantivo plural
pronto para uma guerra que não vi

na tevê, o antigo franciscano brinca, 
congregando o que há para comer e beber
armado em terracota com um cacho que se perde
em preocupações seculares:
a poesia - palavra etérea para tua boca cerrada

enfeitando teu colo o patuá de sementes 
de árvores frutíferas e sombras
que nascem do teu quintal

é preciso trabalhar, diz, fazer circular mercadoria:
a poesia - tua peixeira - afiada no couro
com a qual tira as escamas e faz teus colares,
devolve às entranhas o orgulho
e permite o corpo inteiro - este teu - nadar no mar 

tânger

um camelo deitado
numa praia em tânger
grande faixa de areia
tão larga quanto a rua
do palácio do rei
que estampa em todas as notas,
moedas da região,
seu rosto
                nunca esquecer o rosto de um rei
em um dinheiro que se multiplica
e que não se vale muito
nem um passeio nesse camelo
deitado numa praia de tânger

Ratzinger contando passos num relógio

nesta época precária de olfato
quem anuncia o invisível também
me conhece da cabeça aos pés

de couro cabeludo     sujo
ao podre dos alimentos,
sabe o cheiro do meu ventre

cinco mil passos dados e um adeus
em seguida,
os urubus rondam