Os ventos sacodem os portões. Ora quente, ora frio na esquina, todas as casas tem portão. São os tempos atuais, em sua maioria, que reclamam mais de um. A qualquer hora haverá, então, um fechado, outros abertos. Vários entreabertos. Quando pensas em sair, certamente espera a calmaria da rua. A ventura deriva dessa expectativa. Às duas, na madrugada, garanto uma ligação. Martelo sob o banco não é suficiente.
- Aguardo-te na esquina, duas ruas acima do canal.
Ao meu lacaio informo. Ei-lo, então, com a sua sirene, o barulho o qual me foge o terror. A falsa cura do tumor que cresce no homem, segurança, o medo. Os portões reverberam o vacilo do som, a mistura com os sonhos da ancestral tradição. Foi aqui, embora possam crer em um blefe, que pude presenciar a dança dos portões. Verdadeira ópera, deveras tensa. Ao me deparar com a cena, senti algo correr na veia. Adrenalina responsável pelo seu abrir e fechar. Deslizas como cisne sobre um espelho d'água. Prepara as brechas para as despedidas quentes. Sinto, pelos companheiros aspirantes a cosmopolitas. Sonhadores com vilas de muros baixos, ou nem isso. Encontrei um motivo pulsante de observar a rua. Atentar algo de vida no mais insípido paralelepípedo. A ansiedade do "abre-alas", no ocaso, na madrugada. O lado de fora do portão.
- Já estou dentro.
Notifico minha própria consciência. Num desenfreado encerrar de possibilidades. A espera, do outro lado, de algo surpreendente que não acontece. Me despeço da vida, do olhar virgem a essa rua. Olhar pra cima e ver o ninho de gato o qual dependo para escrever essa crônica. Essa esquina, essa novidade, que recompensa quem não sabe mais o que fazer.