quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

cont. sumidouro

V)
sei dos pormenores de estar só:
a energia elétrica nas tomadas da casa fazem pequenos ruídos
nunca há o silêncio


hoje o ouvido pulsa um batimento independente
do coração
expressão máxima da dura-máter, cabeça concreto, cansaço míope,
nome essencial


estar só é deitar, ouvir o ruído solar,
(o dia é pior do que a noite)
feito toda uma Guernica devastada
em descanso profundo de pernas e
linguagens


sei do prazer de estar só
e isso basta para não abrir a portinha
aos 50 anos

cont. sumidouro

IV)
há um vulcão tão grande quanto H.
que tenta acompanhar
na violência do não-ciúme
como o pouso incessante das moscas onde não deveriam
nas troças escondidas:
toda uma munição roubada
e os tiros pra cima que voltam


porque H. é gigante quando fecha os olhos
quando se torna esse semelhante
quando dança na cozinha


quando trabalha
para amenizar os traumas dessa massa pesada
também
e escuta, dorme, morre, acorda, descansa, tatua


desvela-se em maciez,
vê a terra e o monte de Vênus
e contém o fogo dentro:


cratera inflama nua

cont. sumidouro

III)
está acontecendo novamente
dentro deste ônibus
à noite
na iminência de toda uma vida


desponta comigo o sorriso maligno de uma lua amarela
anunciando a descida de cada viajante
e eu por último


com fome e por último
com medo e por último
com uma lua que canta sem melodia,
mas não fala:


“fire walk with me”

cont. sumidouro

II)
encostada à parede,
a garrafa de vidro que guarda as plantas compridas
e artificiais
noutros tempos explodiu em gás
bolhas, demi-seco, rosé
matiz:

a vida da mulher
promessa de estouros passados
sufocada como semente ou lava
d’um vulcão-juíz

sumidouro

I)
vulcão cor-de-rosa, o macho
tem a mesma cor
da terra batida no solstício de primavera
pr’onde olhei da janela de um ônibus
na estrada de piche antigo

lembra-me ele que a semente dessa terra batida aguarda
mais do que os velhos por serem lembrados

(a semente aguarda sufocada de vento e poeira
protegida do visível,
vive)

as lembranças são sempre as mesmas dos desertos que nunca fui
e dos que sempre retorno

portanto, de pensar,
seridó, oeste ou licancabur,
eis-me lá