nos arredores da rodoviária velha, o cego de bengala acompanha o piso tátil
mas esta aqui é a pior cidade depois de aleppo, grita o cego, ao tropeçar na lajota que falta
sabe bem aonde quer chegar, este cego, mesmo sem reconhecer o desenho
do número do transporte coletivo ou os círculos no chão para demarcar seu espaço seguro
e segue firme – uma firmeza não decodificada pela maioria vidente
eu te conto, cego, estás diante da poltrona 9 e os barulhos de pedras são por causa do piche fresco
não te assustes com este profundo breu, a tua visão
tem alguém prostrado diante de você querendo entregar um santinho ou vendendo doces para criar o filho
aceite por educação, cego, estende tua mão
estamos agora contornando o rio e faz uma luz alaranjada belíssima
todos os dias passo por aqui, cego, e à altura da pedra do rosário,
há algumas pessoas com estilo duvidoso, por isso nunca desci para ver de perto a água do rio dos camarões
só vendo este tipo para reconhecer – desculpe, cego
chegamos ao cemitério, sabe quem está enterrado aqui? isso mesmo, café filho
o cego é sabido
nunca te contei do sobressalto quando te vi tropeçar com aquela sonoplastia indecente das interjeições
comparações agudas
nem do desencanto de viver apenas nos arredores – um torvelinho permanente
o vicário dos sentidos ausentes
mas você deve saber, cego, que anoitece aqui, pois são as cigarras os sinos da anunciação
lembre-se de aleppo antes das explosões – o elegante calcário cor de marfim ou
os pisos limpíssimos e encerados que refletiam o céu sem nuvens
pois não há mais chance para se erguer da queda quando saltares deste ônibus, cego,
já que agora sabes que a memória é teu único rumo nesta escuridão