sábado, 28 de março de 2015

cont.: Eunice


quando a gente morre, costuma pensar que somos algo, um quê desumano, como plantas solo areia animal pó. Pablo Neruda achava que se parecia com uma anta amazônica, mas Eunice como todo bom indiano, cor amarronzada, nariz avantajado, Eunice pensava que era raiz de alguma planta, então Eunice se enraizava, sem raiva, em cada pessoa nova que eu poderia escrever ou que escrevessem, Eunice estava em tudo, Eunice era o próprio eu, o próprio dizer e o próprio devir. em doses pequenas, certamente, afinal apesar de serem raízes quando morrem, os indianos nunca foram um exemplar da maior estatura da humanidade para ser tal raiz que enraíza tanto em tudo. e isso tem ligação. vikas uppal se enraizou tanto quanto sua altura permitiu, quer dizer, muito, em escritos de autores indianos que o ocidente não conhece e músicos [pois foi pra ele todas as músicas, e não aos outros que foram medidos pelo livro dos recordes] — mas ele era exceção. voltando ao tal nome-raiz, nasceu, uma vez, em Buenos Aires uma Eunice. [era Beatrice e veja que sutil Eunice foi nesse enraizamento, sutil e fatal, a menina carregaria esse seu ice ate o dia da passagem pro mundo desumano]. então Eunice agia feito as pessoas silenciosas, delicadamente e brutalmente, a menina, coitadinha, sentia o peito como um dínamo diariamente, aquela tensão. para explicar melhor, essa tensão, essa energia potencial de quando vemos um animal asqueroso com asas, ou uma pistola na mão de alguma criança, como do pobre menino bubber que quase matou baby só por que queria ver aquela bolsinha rosa, tão graciosa, e o vestidinho de perto e quis fazer pow, fez pow de verdade com a pistola que era maior que ele na brincadeira, na história de mccullers. esse era o coração de Beatrice. ela cresceu e, com atraso, casou, queria ter tido uma penca de filhos, mas depois de muito tentarem [Eunice ria de querer morrer, mas já estava morta, com mais uma vez a ilusão do humano-ser], descobriram que a pobrecita era estéril, mais uma de Eunice, que já está virando a vilã dessa história, só enraíza para trazer secura, mas isso também faz muito sentido visto que a raiz é de feitio de absorção, mas aguardem, ela também pode fazer bem a quem se enraíza. Beatrice pensava nessa sua esterilidade como um castigo, foi menina má, que xingava a todos por detrás da porta, não acreditava em deus e ainda por cima lia alguns malditos, aquelas malditas  histórias todas de solidão, de embriaguez e de como o nada é, às vezes, tudo o que se tem. então, entre divagações sobre o nada, Eunice ou Beatrice [como hamlet, havia um monólogo imaginário onde Eunice assumia as rédeas na maior parte do tempo, e Beatrice calava], via faces em azulejos encardidos, vidros embaçados com vapor d'água quente, todas as farsas. pensava na lei de lavoisier, que cara esperto!, patentear a lei que rege todas as coisas da vida, não só a conservação de massas, mas de vidas, de gramáticas, de pensamentos. nada surge do nada, Beatrice varava horas pensando neste paradoxo, nada se cria. pode-se pensar no nada como uma dêixis, mas é claro, ora, é a sumidade das dêixis, que força a se pensar a fundo, onde encontro esse nada fora do meu corpo, do meu discurso, onde ele está, o tal nada. o origo, essas coisas, ego-hic-nunc. algumas vezes ela cansava e, quando cansava, apenas cantarolava joan baez "dadme el silencio, el agua, la esperanza, dadme la lucha, el hierro, los volcanos, apegadme los cuerpos como imanes, acudid a mi venas y a mi boca, hablad por mis palavras e mi sangre"

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