Numa tarde de verão, espero na clínica
escoro uma cadeira de plástico
sem encosto de braço
na parede encardida
e fecho os olhos
escoro uma cadeira de plástico
sem encosto de braço
na parede encardida
e fecho os olhos
é o momento de ouvir a vida elementar
perguntas genéricas — peso, altura, telefone
medição de pressão arterial
ventilador empoeirado e pendurado
a cada indagação se está entrando ou saindo
"de quê?", eu me pergunto sabendo da resposta
e reconheço na respiração a privação
de quem vai ao caixa com penar
é também uma provação aguentar tudo
e ainda estar apto para trabalhar
"de quê?", eu me pergunto sabendo da resposta
e reconheço na respiração a privação
de quem vai ao caixa com penar
é também uma provação aguentar tudo
e ainda estar apto para trabalhar
abro os olhos e mapeio o acesso aos celulares
cada qual com uma película diferente
proteção de nossa personalidade
penso durante a espera como são os trabalhadores brasileiros
os únicos a prestar homenagens aos artistas
com o nome dos seus filhos
e a mentir para os médicos que não olham
os únicos a prestar homenagens aos artistas
com o nome dos seus filhos
e a mentir para os médicos que não olham
os olhos da gente
eis o nosso triunfo
aqui é o lugar daqueles que lidam com os últimos
de uma boa espécie
de uma boa espécie
os celetistas
verdadeiros contorcionistas
verdadeiros contorcionistas
da máquina não lírica
qualquer outro que aqui não pise
oblitera a jurisdição da melhor piada
sobre este ou aquele partido político
oblitera a jurisdição da melhor piada
sobre este ou aquele partido político
ou sobre a Terra Prometida
a aposentadoria
disfarçada na pobreza
imantada
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