Segunda-feira num acesso de tosse acordei
fazia dias que não olhava para fora
nunca fui disso mas estava arquejando
e escutei uns risinhos muito discretinhos
espiei pela janela e dois adolescentes passaram
com as lanternas dos celulares
por detrás do bloco vizinho
logo voltaram com uma pedra enorme
e o garoto magrinho e efeminado, uma gracinha
começou a arremessar a pedra com toda a força
um completo brutamontes
em direção ao chão e eu fiquei perplexa
queria saber por que estavam fazendo isso
àquela altura da noite
a cada pancada na pedra, mais risinhos
eu também passei a rir e quase me engasguei
em outro acesso de tosse mas não queria tossir
e perder meu disfarce atrás das cortinas
quando conseguiram produzir algumas rachaduras
com o martelo, o garoto criava faíscas e a garota tinha medo
porque uma nesga daquela pedra voou em seus olhos
pude escutar então põe seus óculos
como se fosse uma ideia genial
melhor riscar os óculos que a retina
e eles ficaram até próximo da meia-noite nesse trabalho
sem hora extra e insalubridade
era a primeira lua cheia do ano
e eles quebraram a pedra
como mineradores experientes
lasca por lasca em batidinhas cuidadosas
vez em quando conferiam se não havia ninguém nas janelas
eu que sou muito esperta
troquei de janela três vezes
para não constranger
nem eles nem a pedra impávida
contra a luz da lixeira coletiva
tomava forma de sonhos e aventuras
acreditavam, decerto, que tinham encontrado naquele jardim
cheio de sapos uma jazida desconhecida
da mais preciosa gema - aquela energizada
de juventude eterna
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