quarta-feira, 29 de outubro de 2014

notas sobre os sonhos/ páginas de diário/ ...

i.

o que chamamos de subconsciente está se mostrando cada vez mais consciente e assim vejo os teus sonhos quando se revelam, me embriagam, acordo passando mal como uma ressaca de algum vinho barato que costumava beber antigamente e tinha de correr para vomitar no banheiro, segurando o grito para não acordar os pais mas sem aguentar muito tempo, como o banheiro que sonhaste dentro de um elevador. eu gostava desse vinho barato e do mal estar também. aos poucos o vigor volta como o de pessoa no dia fatídico da escrita do guardador de rebanhos e o pastor amoroso, se não me engano, mas em torno das 2h15min estou recitando os lusíadas ocidental que já foi jogado no lixo pois, ao me levantar, tudo não me recordo: o esquecimento é um pano úmido que abafa a fumaça das ideias

ii.

o espasmo do levantar, alucinação das mãos abertas na fronte pois o filhote de mula na beira da estrada dali não arreda as patas. mas já liguei a luz e tudo some a não ser o eco do sino das 2h que sempre se dobra pra mim. sim, há tempos, desde o primeiro estouro da tinta da caneta, escuto as duas singelas badaladas na noite insone e meus cabelos crescem desregradamente em busca de uma sombra que dê pra se viver, um dia com heroína na veia no jack caolho, talvez, e outra ressaca. como o outro sonho, em um barco, minha mãe nunca soube nadar e ele afundava a cada onda, ela permanecia quieta, mergulhando e emergindo junto com o movimento. meu desespero em tampar o nariz mas eu também nunca sufocava. a estranheza era apenas a naturalidade a qual a minha mãe tratava o barco afundando e a onda forte, vide nosso pavor em comum. acordamos e estamos nauseados: a estranheza é a iminência de toda emergência de felicidade

iii.

tu vai e se banha num mar violento sem o colete salva-vidas, sim, eu fui também mas voltei. voltei ao sonho num terreno baldio desconhecido do distrito federal, quando encontrei uma velha amiga e estávamos em uma exposição analisando um quadro em que se viam números voando, a praça dos três poderes em perspectiva de perfil e um tanque de guerra. desistimos. choveu e meu medo da chuva foi reavivado, a coluna sempre em C. hoje penso no pequeno quadro surveying the outer worldolhando com saudade o mundo fora d'um navio de cargas que se constitui meu corpo. lembrança: maldita redoma de agonia, pano úmido que abafa o escuro do sonho

iv.

não sonho

v.

não durmo

vi.

vi, finalmente. estávamos em uma casa em cuzco, talvez, e, pelo frio, voltei a fumar, ouvia música oitentista e você escrevia. escrevia até amanhecer, um poema longo de três páginas que acabei encontrando sem querer entre minhas coisas esse tempo todo depois. dizia sobre a pedra do meu signo, a ágata marrom. me dizia ser apenas criação, criação, criação inanimada, um lamento  intermitente. não cabia mais nas notas do piano envelhecido. então me amordaçavas, e eu começava a surtar, tentando ser, finalmente, um ser animado, falando falando falando, gritava mas não saía mais nada. tapavas os ouvidos e repetia com um coro de várias vozes suas que eu nunca ouvi: criação, criação, criação da minha imaginação, eu como um cemitério de ideias. acordei enojada de aversão à imortalidade: morte das palavras é pior que a morte das pessoas

vii.

bebo água, escrevo poucas linhas e durmo: ato delator dos esquivos

viii.

edgar allan poe narra algo semelhante a isso em berenice.

Um comentário:

  1. me lembrou, de algum modo, contos de woody allen (muita informação ao mesmo tempo).

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