sexta-feira, 26 de junho de 2015

bacamarte

em uma cidade na parahyba
existem nuvens dispostas de forma não usual nos idos deste mês
tal qual a música progressiva nos anos 70
com uma coincidência de nomes
dos lugares e conjuntos
em tentativa de narrar todas as letras naquele mesmo céu pequeno
sobre a cidade pequena,
como quando se buscam as diferenças
pela arte de esculpir coronhas
das armas dos grandes vilões do cinema

as nuvens:
estranhas como os arranjos de depois do fim
longas como o último entardecer
nos pastos onde pode haver recordação d'algum país de língua castelhana
apenas brevemente, bem brevemente

nunca tive ciência d'um bar nesta cidade da parahyba
nem de nenhuma dos arredores
em que se pudesse iniciar uma briga,
puxar o gatilho

[aquele espaço entre o ar e a coronha esculpida
a coronha engordurada pelo o que se come com a mão
a coronha arranhada pelo botão da capa que a guarda]

puxar o gatilho para cima
até as nuvens do céu dessa cidade
seja pelo grito ou disparo

um menino com estilingue

tão somente pelo susto às nuvens
não aos que passam

quarta-feira, 17 de junho de 2015

nênia para um cantor de folk

não se pode ser coerente, meu amor
quando se vive escorado assim
nessa odisseia de canções arquivadas
nestas pastas e costas de histórias comuns

violo diariamente meu ouvido em busca da surdez
abomino as ceras que protegem, forço as paredes do conduto externo até chegar próximo ao tímpano, junto com o martelo, bigorna e estribo: ossos tão fortes quanto meus fios de cabelo

ouço diariamente sons que me nascem
um constante rompimento da bolsa 
o som do líquido amniótico leve como o correr natural de um rio escasso junto com o vento, que é o mesmo vento sobre uma camada fina de areia cujos grãos, juntos, são como as células da derme humana no entre-pernas feminino e existem grãos de diversas cores como há também todas as tonalidades de pele

não se pode deixar de violar o ouvido ao pensar desta forma
crendo que um dia pode esquecer de todos os sons já conhecidos

gostaria de esquecer somente o que o pianista do shopping tenta fazer, ou o latido do meu cão sempre preso como as pessoas na caverna de platão, ou estouro dos amplificadores da caixa de som de um velho aparelho 

não se pode ser coerente, meu amor
quando se vive acossado pela música feita
do bater da sola de um sapato elegante no chão de madeira de um cantor folk

como eu vivo, comovido

terça-feira, 16 de junho de 2015

obviedades

na ida, toda a prerrogativa
de como cresce o que tem no escuro de dentro
quando se ouve algo que,
mesmo sem nenhum desígnio,
reproduz aquela prosódia da pena

volto-me, ainda na ida,
sob qualquer tenção de livrar na luz

o carro morre, os pedais erram
0. não há o auto pilot

sonho com o que atormenta
como penso em cada movimento:

1. não há disfarce, tudo é desejo consciente

2. não há outra vida, sonho com o que me atormenta porque quero

3. não há por que assentir tão facilmente

quando sonho, acrescenta-se a essa cobiça toda
uma avença, um contrato assinado

não o quebro, porque toda a vida humana é contratual
homo ludens, toda vida humana é convenção,
negócio, pacto
toda vida humana é uma técnica de fugir da verdade
como o riso num VHS de qualquer

[parto]

de qualquer comédia


terça-feira, 2 de junho de 2015

lendo virginia woolf em meu quarto

leio virginia woolf em meu quarto
como quem escreve cartas suicidas
entre as cartas para os familiares
leio virginia woolf em meu quarto
e dedico fortes ofensas
a ela: go fuck yourself [preservo seu idioma para que me entenda] 
leio-a em meu quarto, onde encontro uma cópia
de sua carta
escrita por mim, para lembrar-me de sua tragédia e de suas vozes 

eu apenas escuto as ondas, mas
meus bolsos logo se esvaziam: eu não sei nadar

[escreveria a alguém chamado bern,
ante a circunstância]