quando se vive escorado assim
nessa odisseia de canções arquivadas
nestas pastas e costas de histórias comuns
violo diariamente meu ouvido em busca da surdez
abomino as ceras que protegem, forço as paredes do conduto externo até chegar próximo ao tímpano, junto com o martelo, bigorna e estribo: ossos tão fortes quanto meus fios de cabelo
ouço diariamente sons que me nascem
um constante rompimento da bolsa
o som do líquido amniótico leve como o correr natural de um rio escasso junto com o vento, que é o mesmo vento sobre uma camada fina de areia cujos grãos, juntos, são como as células da derme humana no entre-pernas feminino e existem grãos de diversas cores como há também todas as tonalidades de pele
não se pode deixar de violar o ouvido ao pensar desta forma
crendo que um dia pode esquecer de todos os sons já conhecidos
gostaria de esquecer somente o que o pianista do shopping tenta fazer, ou o latido do meu cão sempre preso como as pessoas na caverna de platão, ou estouro dos amplificadores da caixa de som de um velho aparelho
não se pode ser coerente, meu amor
quando se vive acossado pela música feita
do bater da sola de um sapato elegante no chão de madeira de um cantor folk
como eu vivo, comovido
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