segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

oferenda

o fenômeno da fome
da mãe dos que nascem peixes
reduto de colo
recato de cor escura
um lar: todo negro

mania de anaeróbio
que costumo levar

o que costumo soltar:
o canto que apenas uns desatentos
uns passantes

um canto no vácuo

coágulo de ar:
três minutos de morte
brilho azul das vestes
odoyá
como ouvir o adágio
das cristas e vales
no livre-arbítrio
onde a alma fala
(minha glândula pineal
órgão vestigial
ou rasgada a palma, pedra de sal)

fala sobre a orientação celeste
lobo, centauro, peixe austral

não fala nada,
afinal

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

II

meu coração é como uma caixa de pandora
pouco aberta, pouca fuga
sob tuas mãos as pedras
sobre o branco das palmas
o negro do dorso
tuas mãos na iminência da abertura desta caixa
a mimese de puxadores de gaveta
das fechaduras de cofres

as pedras sob tuas mãos:
só vestígios do elemento último
indícios do antigo receptáculo de luz

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

I

o camafeu das damas
não existe
no sul do litoral
meu camafeu de lobo
que quer repousar
no negrume do seu colo
onde agora repousa
o crucifixo prateado

a consistência do teu peito
com pelos encaracolados

suor,
prata derretendo
no sol

mas tu sempre está a anoitecer
em uma cor

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

esquizo-blablablá/ notas sobre os sonhos II... etc

ix.

acordei com a sensação de ter atravessado um portal, fenda ou janela de volta à quietude por não aguentar ouvir outras pessoas falando. elas tentavam fumar alguma coisa e a brasa nunca atiçava, sempre apagava, alguns tocavam instrumentos. depois de passar por essa janela, voltávamos por um caminho barrento cujas escadas eram formadas pela erosão natural que o solo passa. então, eu chegava em uma casa de praia, havia festa de mais um monte de gente que não vejo há anos. gostaria de lembrar do sonho anterior onde eu repousava com um copo em formato oval que armazenava uma bebida diferente ou azul, talvez me lembraria de algo com efeitos semelhantes à distância derradeira do box de um banheiro de universidade. quando nos voltamos aos outros. quando estamos sempre voltando.  voltando à contagem, à margem a se jogar...

x.

sonhei com um cachorro de algum amigo a abocanhar meu braço com uma leveza e peso suficiente para me imobilizar e não me machucar. eu estava em uma praia que costumava frequentar quando criança, via a antiga casa da família agora sendo frequentada por jovens cujos rostos reconheço da vida, de alguma noite. em um passeio, vi uma garota em torno dos seus seis anos de idade caminhando sozinha, pensando bem que ela se parecia comigo e lembro-me de questionar com alguém ao lado, olha ela é como éramos, então não ouve demonstração de identificação com aquela pequena garotinha, tropeçando só com a parte inferior das roupas íntimas, às vezes parece que crio uma vida que não tive, os meus seis furos na orelha todos fechados, os furos se fecham assim como as janelas das casas inutilizadas...

xi.

a avenida que beira o canal estava completamente escura e eu precisava me exercitar. uma escuridão total, luz alta no farol do carro e nem um palmo à frente podia se enxergar, então eu corria, corria em completo breu, às cegas, como quando não conseguimos ser outros...

xii.

não

xiii. 

sonhei estar numa praia, e isso tem sido deveras recorrente, não consigo discorrer sobre o porquê, só tem acontecido. entre desconhecidos e conhecidos, o mar bravo, quando vinham ondas maiores, ela invadia os cômodos da casa, com violência e voltava. voltávamos à vida corrente, sem a desordem e a morte por afogamento, ou por outro acidente doméstico. nisto, tinha um jazigo a ser cavado, mas ninguém o fazia, cujo corpo também não sei de quem era, talvez o meu. o tempo estava se esgotando. tempo para o que, não sei, mas tínhamos que abandonar tal casa, então eu no mezanino resolvia experimentar alguma droga alucinógena; nunca tinha feito isso e ninguém sabia que tinha feito naquele instante. comecei a ver as coisas de outras cores, os rostos variando entre o verde e o rosáceo, as vozes distorcidas, e vinha mais uma onda. ela vinha em câmera lenta, eu acreditava ser pela droga que havia usado. antes d'ela arrebentar em cima da casa novamente, eu conseguia fugir. antes disso, sonhei estar invadindo uma mansão em alguma outra praia!, me banhava em sua piscina até aparecerem alguns moradores e mais uma vez uma criança se assemelhava a mim. pedia que tirassem fotos, precisava provar, o homem gritava de dentro de uma janela fechada algo que eu só poderia concordar, ora mais, a casa tinha formato de navio, não sei onde estão as fotos,  estamos sempre em provação...


quarta-feira, 29 de outubro de 2014

notas sobre os sonhos/ páginas de diário/ ...

i.

o que chamamos de subconsciente está se mostrando cada vez mais consciente e assim vejo os teus sonhos quando se revelam, me embriagam, acordo passando mal como uma ressaca de algum vinho barato que costumava beber antigamente e tinha de correr para vomitar no banheiro, segurando o grito para não acordar os pais mas sem aguentar muito tempo, como o banheiro que sonhaste dentro de um elevador. eu gostava desse vinho barato e do mal estar também. aos poucos o vigor volta como o de pessoa no dia fatídico da escrita do guardador de rebanhos e o pastor amoroso, se não me engano, mas em torno das 2h15min estou recitando os lusíadas ocidental que já foi jogado no lixo pois, ao me levantar, tudo não me recordo: o esquecimento é um pano úmido que abafa a fumaça das ideias

ii.

o espasmo do levantar, alucinação das mãos abertas na fronte pois o filhote de mula na beira da estrada dali não arreda as patas. mas já liguei a luz e tudo some a não ser o eco do sino das 2h que sempre se dobra pra mim. sim, há tempos, desde o primeiro estouro da tinta da caneta, escuto as duas singelas badaladas na noite insone e meus cabelos crescem desregradamente em busca de uma sombra que dê pra se viver, um dia com heroína na veia no jack caolho, talvez, e outra ressaca. como o outro sonho, em um barco, minha mãe nunca soube nadar e ele afundava a cada onda, ela permanecia quieta, mergulhando e emergindo junto com o movimento. meu desespero em tampar o nariz mas eu também nunca sufocava. a estranheza era apenas a naturalidade a qual a minha mãe tratava o barco afundando e a onda forte, vide nosso pavor em comum. acordamos e estamos nauseados: a estranheza é a iminência de toda emergência de felicidade

iii.

tu vai e se banha num mar violento sem o colete salva-vidas, sim, eu fui também mas voltei. voltei ao sonho num terreno baldio desconhecido do distrito federal, quando encontrei uma velha amiga e estávamos em uma exposição analisando um quadro em que se viam números voando, a praça dos três poderes em perspectiva de perfil e um tanque de guerra. desistimos. choveu e meu medo da chuva foi reavivado, a coluna sempre em C. hoje penso no pequeno quadro surveying the outer worldolhando com saudade o mundo fora d'um navio de cargas que se constitui meu corpo. lembrança: maldita redoma de agonia, pano úmido que abafa o escuro do sonho

iv.

não sonho

v.

não durmo

vi.

vi, finalmente. estávamos em uma casa em cuzco, talvez, e, pelo frio, voltei a fumar, ouvia música oitentista e você escrevia. escrevia até amanhecer, um poema longo de três páginas que acabei encontrando sem querer entre minhas coisas esse tempo todo depois. dizia sobre a pedra do meu signo, a ágata marrom. me dizia ser apenas criação, criação, criação inanimada, um lamento  intermitente. não cabia mais nas notas do piano envelhecido. então me amordaçavas, e eu começava a surtar, tentando ser, finalmente, um ser animado, falando falando falando, gritava mas não saía mais nada. tapavas os ouvidos e repetia com um coro de várias vozes suas que eu nunca ouvi: criação, criação, criação da minha imaginação, eu como um cemitério de ideias. acordei enojada de aversão à imortalidade: morte das palavras é pior que a morte das pessoas

vii.

bebo água, escrevo poucas linhas e durmo: ato delator dos esquivos

viii.

edgar allan poe narra algo semelhante a isso em berenice.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

quantas vezes, s. plath,
também não tive minhas flores
de rododendros escondidas
por atrevida juventude
[meu olhar de ódio
mas nenhum vigor]

então, lembro-me dos charcos
pelos quais sonhei
dos jogos de baralho
e da tua dor

quantas vezes, s. macedo,
não pensei em santa maria
sem nunca ter respirado
a esquizofrenia de onetti
[meu arquejo vil
mas nenhum maná]

então, lembro-me,
apenas lembro
fragmentando o que disseste
sobre o verbo sustentar

aproprio-me
e sustento, assim, o que me constitui

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

minha letra padece ao movimento da caneta
um exame do coração/ vários picos de pressão
marcando meus batimentos:
os animais do abate
todas as mortes que escondo no soutien

acompanhando todas as falhas das sinapses
dos espaços brancos, aqueles d'outrora brandos

do que falta, sobram as armas
letras em riste
atentas ao comando
no entanto,

venho sentar no muro
conversar:
bzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
mas as abelhas pedem silêncio
no escuro
um enxame soante
[como um ferrão
fundo, chaga de caneta
meu dedo travo, duro]

um dia, o besouro não me causará arrepio
pois não serão as abelhas a me pedir aquele silêncio
sombrio

terça-feira, 7 de outubro de 2014

ouvi que querias poucas imagens
como o olhar de sá dona de renato caldas
queria a persiana entreaberta
e o sol das quatro entrando na sala
ouvir seus versos em bocas alheias

ouvir o sol dançando com a poeira
ouvir o que as paredes respiram
ouvir o devir de ouvir
todo ouvir é uma fala inteira
todo ouvir é um abraço/leve afã

hoje ouvi todo o som do mundo
enquanto engolia um café melado
ouvi o miado daquele gato que descansava
que estava há dois dias apodrecendo
em frente à minha casa

ouvi o fim de um livro, sua orelha marca-página

o sinal da catapora entre os dedos,
resto de cabelo cortado no pescoço

ouvi de uma boca arroxeada de vinho
ouvi que eu tinha que ter ido
mas que assim fico
me ouvindo

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

pernambuco é ver
madalena fumando um derby
por piedade

tua capital,
eterno interstício

os alagamentos
se apagam
teus tantos nomes
apagam tudo o que é

tornando o não-ser
de sua materialidade
de sua concreticidade

cidade feita de
denominações
estado feito de orações

mas os nomes nas placas...
emergência de encantos
[nem todo esgoto mata]

sábado, 27 de setembro de 2014

fiz um rasgo batizado
algo com a palavra
o léxico, a cidade de
tel aviv
c'est la vie
odeio a língua francesa
e a mim cabia
(visto toda roupa de viagem)
tal correria deste rol
falta bebida na mesa de babette
e ainda assim
embriaguez permito
por isso cabe à cidade
e à estrela hexagonal
de tel aviv
visto a estação
o risco de andar à beira do canal

domingo, 21 de setembro de 2014

nessa algaravia pensante
não vejo meu carro-chefe
abre-alas, sal, o qual

um beiral de prato
feito clarividência 
do profundo ato de não chegar
não estar, o mal quando o é

ausentar-se d'um espaço 
nele estando
sem mistério
sem qualquer outro motivo
essa coisa rasa, infusão
chá de malva

terça-feira, 16 de setembro de 2014

os gritos subconscientes
serão celebrados
com grandes
e, sim, rápidos
afundamentos, quedas,
movimentos
nos baixios do atlântico,
onde turva
a matiz do azul com o negro
pensamentos e queixas
e todos os clamores
dos que navegam
pelos gritos
e urros
e duros
bancos de areia
submersos, uma festa
todos os gritos inflados
de ar dos pulmões
para nesse mergulho
uma hora venha, pois,
um descanso/remanso
mas um tanto de choque
na via interna, um momento
uns minutos sem fôlego:
durante o sono, mergulho em apneia
os gritos dos sonhos
são os filhos rebeldes
nunca voltam da festa

domingo, 14 de setembro de 2014

há filosofia bastante
em se banhar pela manhã
antes do pé pisar à rua
diminui-se o fluxo d'água

ou:

eu diminuo, pois,
imagino-me ao sair
descolada do meu corpo
a pele, o couro
a veste que não permite
o calor morar
doente entre meus ossos
o frio forma um nodo
(meu comparsa quiçá)

sobre o veio
de minha perseguição
vermífugo de realidade

(isolada para testes)

um buraco na vontade
sístole, diástole

alguém medindo
fraca pulsação
bombeando/bombardeando

(lembro a amiga morta
pelo próprio engasgo)

e, pelo silente, predileção

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

uma noite em zaire

uma noite em zaire
teu nervosismo escondido
sobre cordas de aço
uma noite na praia dos pobres
outras noites fugindo do vírus

surgindo como quadro
de frida sobre barba
uma noite conjugando
segunda pessoa

tarraxas perdidas
colunas minguantes
descoberta do cão, o osso

sintoma de poesia:

a costa do zaire,
teu nervosismo
essa mão comprida
mapeamento de veias

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

egonomia

como rastro de nicotina
sensação do completo errado
anti-mundo problema
"a criança é corpórea por natureza"
o jazz também, eu menos
meus bichos destroem os jardins
entediados
enquanto o vento na contra-mão
leva o rastro, traz o fio
de cabelo solto num pedaço de derme
feito formiga perdida do bando
a sapatear, que agonia me permito passar
o rastro, o meu fio de cabelo
crio um eigenwelt palavra dos meus estudos
em um fio: o corpo, vários eus

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

tlön e a avenida

seguindo franziska
numa avenida de tlön
do hemisfério boreal
(substantivodoapagamentoou-
filosofiadarepartiçãoDetcetc...)
a avenida, a vida
buscamos bibliotecas
seladas com teflon esquecidas

alcanço-a, enfim
e, pelo nada régio criado,
convida-me a um café 
cheio de espelhos

digo que não,
deixo-a e sigo,
sem promessa de cópula
(graças ao gnóstico)
e também sem nada 
esquecido

terça-feira, 26 de agosto de 2014

re feição

houve um deslizamento de terra em mim
que encobriu o que há
para baixo da couraça
onde uma fukushima faz vítimas
onde há guerra, morte
tudo fora dos conformes

me lavo com ungüentos fortes
para ir ao forno
então dourar

enquanto isso,
continuam tirando a mesa
antes d'eu chegar

sei não de sobreviventes
ou de solventes pra a untura
que juntou-se à terra

ainda encoberto,
tento terminar a refeição
mesmo sem a total arrumação
da mesa já tirada
no prato, o bálsamo dourado
do meu ser algum pedaço
digestão

enquanto isso,
continuam me tirando
cru,
esguio,
sem emoção,
abafado,
como um engasgo

ricina

ouvir d'uma boca
os sons agrupados
a harmonia sacra
da palavra mamona
eis o júbilo, a fortuna
a lembrança, a cura
mamona ressoa
como a palavra una
mamona, om
música nua

[mas se oscilas
ricina
e fim]

sábado, 16 de agosto de 2014

eu costumava ouvir ele dizendo
que assim despertava
com cheiro de febre impregnado
com gosto de merda na boca

ele dizimava todos os meus poemas
com essas frases
salvo esse:

cheiro de febre
gosto de merda
na boca

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

aborto

como a lei do eterno retorno
o carro ao asfalto volta
a vida da natureza morta

ou o vírus do ebola

mas as nevralgias de ontem
somem

meu filho se chamará Uardi
corrigirá a terra com o cal

[pela vulva transpassado
despontará de fato negro
(vês que já não sou
nem sinto)
já um morto homem feito]

à lei do retorno super-sônico
retornam também as nevralgias
e o filho que tive
é o sono cinza do frio

minto,
o meu filho é da corja
fecundada no estio
que volta, volta,
e

volta

para a estação que o pariu
a flor morta

terça-feira, 5 de agosto de 2014

sonho

sonho
com o reboar salgado
pés descalços
a valsa
compasso
cansaço

sonho com o vinho,
o cesto de vime
e o cheiro frugal entrançado
na beira d'um promontório
acorrentada em um verso de cacaso

(ante o sonho, acordo
dirijo um pouco
e caio em toda depressão urbana;
as bocas de lobo)

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

hoje não componha suas nênias

hoje não componha suas nênias
nem descanse sobre a boca a mão 
nem esqueça
sobretudo, não esqueça

que todas as mortes são iguais
todas as crianças são iguais
o mascate que anda à tuna é igual a tu
o baile dos carros é igual a tua festa
a casa respira como teu peito ascende
e declina como teus olhos à noite
sobre os antigos alfarrábios

não componha tantas nênias
mas rodas a não pensar,
não pesar
não afundar,
talhando-se com tal ofício
não acompanhe a mulher,
se tu não o queres bem fazer

abandone as traduções diversas

não lamente

ramagens aureoladas
são todas iguais e se repetem não só em gaza
(sabes que lá quase nem as tem)
mas na esquina da esperança sua casa
onde os mascates desembarcam
como tu ontem o fez também

(mas não esqueça,
além de tudo não esqueça
nem componha nênias
nem os entregue a cabeça)

segunda-feira, 28 de julho de 2014

festina lente

dias gloriosos
 atravessando o rio corumbá
atropelando seriemas
entre a névoa que escondia
os grandes montes de cupim que eu via

era junho, tempo canceriano
a plêiade no céu
o fôlego do vento dispersando a poeira barrenta

o cão a se coçar 
o canto do bicudo carcará

sono como faísca
o barro, o repolho, o cerrado
reabilita

quarta-feira, 23 de julho de 2014

belo, oásis, deserto. a nina rizzi

no teu livro ao me ver
ri-se teu poema

descendo por tal rua
tu, noturna
estava só, blusa de malha
vinha há horas sem banho,
sendo outra - de saia plissê
desviando dos rasantes de morcegos desnorteados
do mijo e dos miados dos tantos gatos

na memória, teu olho baixas
numa toalha servida de café/almoço/janta encardida da mesa

[via-se, enquanto isso
(enquanto eu)
aberto,
a duração do deserto]

caminha,
e tateia os poucos degraus

três ruas acima do canal

diz-me também o teu poema
enquanto fala de você
a casa é a mesma, as paredes na avenida jaguarari de urban arts
a caixa alta que deixamos para depois

[vi-me,
a ter com você
sem saber das pessoas (verbais) mais, caminho, tateio
os olhos, sou eu quem os baixo
nas letras, sou eu de sobejo]

em tempo:
disseste que pareço de godard
anna karina
mas já disseste te amo ao baldo, nina?
não, talvez nunca o dirá

terça-feira, 1 de julho de 2014

tepidez

vide tudo isso,
corpo recôndito,
o que se agiganta
ante a vocação de ser:
a calma do delírio

no teto, a alabarda
resto da fluorescência
d'uma luz apagada

golpeia
um rasgo morno

a salvo
durmo

sexta-feira, 27 de junho de 2014

terça-feira, 10 de junho de 2014

espasmo

o nervo
do meu lábio
superior
a tremer

tal como tique
(taque/bomba
fio vermelho)
meu lábio superior
treme

enervado
ando sem o balanço natural
dos braços

(fio vermelho)

o nervo do meu lábio
superior
espasmo
a tremer

segunda-feira, 9 de junho de 2014

ser poeta

quão ordinário é
assemelhar-se a todos
os que houveram,
e há e hão
há milênios
de fazer das palavras
enxada, espinho

quando vejo, dou fim
a todas as letras
que ribombavam
(baixo a cabeça)
e elas acabam
findam sem se rematar

assim:


(maldita símile
digo isto
mas baixo)

sábado, 31 de maio de 2014

cai café

derramo café

um riso tão doentio
um riso medonho
aquele riso guardado
pelo tempo
pelo não-motivo
aquela gargalhada
e cai com o café
e talvez despenque
e cai comigo

riso carcomido

a cena:
três à direita
quatro à esquerda

jazz ao fundo

segunda-feira, 26 de maio de 2014

os cílios

os cílios que me asilam
são os cílios que protegem
as ogivas que são os olhos
destes homens ao lado
que, quando querem, silenciam
todos os mestres e as meninas
que se desfazem sob a marquise
que do sol as protegeria

eis os cílios que cantam sinas
e ditam as rotinas do meu asilo

são os cílios 
são os cílios

malditos cílios volumosos
cílios da seca
que me empestam
e quando oscilo
batem como os ventos
dos desertos, alísios 

quarta-feira, 14 de maio de 2014

a cidade e o poema

a cidade de pedras rege
esses nadas que matam
agora reconheço os sons
e não são as cigarras

(me banho com as baratas)

meu caderno tem problemas
cujas letras parasitam
transitam pelos tais temas

(me enxugo com os mosquitos)

os buracos nos asfaltos da cidade
onde cabem todo tipo de problemas
aqui há um pouco de felicidade:
os espaços brancos do meu poema

terça-feira, 13 de maio de 2014

Exatidão: Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio, p. 72

"Por que me vem a necessidade de defender valores que a muitos parecerão simplesmente óbvios? Creio que meu pri­meiro impulso decorra de uma hipersensibilidade ou alergia pes­soal: a linguagem me parece sempre usada de modo aproxima­tivo, casual, descuidado, e isso me causa intolerável repúdio. Que não vejam nessa reação minha um sinal de intolerância para com o próximo: sinto um repúdio ainda maior quando me ou­ço a mim mesmo. Por isso procuro falar o mínimo possível, e se prefiro escrever é que, escrevendo, posso emendar cada frase tantas vezes quanto ache necessário para chegar, não di­go a me sentir satisfeito com minhas palavras, mas pelo menos a eliminar as razões de insatisfação de que me posso dar conta. A literatura — quero dizer, aquela que responde a essas exigên­cias — é a Terra Prometida em que a linguagem se torna aquilo que na verdade deveria ser. 

Às vezes me parece que uma epidemia pestilenta tenha atin­gido a humanidade inteira em sua faculdade mais característi­ca, ou seja, no uso da palavra, consistindo essa peste da lingua­gem numa perda de força cognoscitiva e de imediaticidade, co­mo um automatismo que tendesse a nivelar a expressão em fór­mulas mais genéricas, anônimas, abstratas, a diluir os significa­dos, a embotar os pontos expressivos, a extinguir toda cente­lha que crepite no encontro das palavras com novas circuns­tâncias.

Não me interessa aqui indagar se as origens dessa epide­mia devam ser pesquisadas na política, na ideologia, na unifor­midade burocrática, na homogeneização dos m a s s - m e d i a ou na difusão acadêmica de uma cultura média. O que me interes­sa são as possibilidades de salvação. A literatura (e talvez so­mente a literatura) pode criar os anticorpos que coíbam a ex­pansão desse flagelo lingüístico."

sábado, 3 de maio de 2014

minha boca

minha boca toma forma
a cor de tudo o que bebo
marrom, avermelhada
transparente, talvez pálida
ou quando viva
minha boca é o vórtice do silêncio
que precede a bebida

sexta-feira, 2 de maio de 2014

parasita

parasita divino
que vem ao meu vidro
vês ele?
é feito menino
feito filhote
demora a soltar o osso
na rua em que volto
eis tal parasita
amarelo miúdo
bicho infindo
sempre te noto

quinta-feira, 24 de abril de 2014

cigarras II

as cigarras anunciam
o cair do dia

me certificam
de serem elas mesmas
as responsáveis
por tal alarde

deito-me à rede
e até os micos, saguis
(soins, como me diz)
se calam

o coro supremo das cigarras
na beira da praia

ao longo audível
elas cantam como agouro
bom e mau, que se anuncia
à noite

as cigarras são
como os sinos
anunciação

segunda-feira, 14 de abril de 2014

quarta-feira, 9 de abril de 2014

terça-feira, 8 de abril de 2014

cabeça ou memória

esta projeta
um arremedo
de um tempo
de flagelo
porque este
é o feto
que desce antes
da hora

(é o aborto da menina
patrícia
o que chamam de sina
o aborto de quem
eu não conhecia)

a cabeça também
é a surpresa
o chicote em praça
na mente que tarda
o descer do feto
que fez o flagelo
subir à cabeça
e vem se apressar

(pois ela não dorme
ela é draga
que retira o bem
e cobre com nada)

dias de

sou bicho recalcado, tal como macunaíma e, ai, que preguiça de escrever mais que tantas linhas. hoje chove no equador e eu lembro alguma poesia antiga em que eu falava do abril de três anos atrás e rodava, girava e eu escrevi para que quem lesse entendesse o que foi o meu abril. olho saramago nos olhos que gritam morte. saramago, cícero, montaigne, sócrates e deus me livre deles todos. eu ensaio um diálogo - reproduzo - não os diálogos de sócrates que li nessa viagem. a beletrista à frente me diz que sim, tá calor, não é, bom dia. eu ouço a manhã inteira a morte na boca dos outros e em casa tem saramago intermitantemente me lembrando que a morte é miúda como mulher de um e sessenta e cinco, no máximo um e sessenta e sete - era a minha altura no abril de três anos atrás, se bem me lembro. a morte que titubeia com uma lembrança, cai de joelhos e reergue-se. eu lembro de outra beletrista que me mandava falar sempre. mas eu desimbestava feito doida a falar rápido e eu falo baixo. e ela me mandava repetir e respirar e respirar e vá com calma, mocinha. está certo, mas vá com calma para que eu capte se sua coda é simples ou complexa - só não é clássica. eu fui à roma há alguns dias e não pude escrever como escrevi aos dias lusos. eu não digeri toda a velhice nada tacanha daquela cidade que ao contrário é amor. mas é bem ao contrário mesmo. registrava algo no hotel feriado, terça à segunda, e aquilo me foi uma eternidade. gostaria de achar o registro mas tenho em mim a certeza que em um ato nada falho eu o fiz cair por alguma brecha daquela cama que me acolheu de terça à segunda nessa eterenidade. eterna serenidade. coitada da camareira, ela era legal, voltava sempre depois, não voltava, estava tudo bem. coitada da camareira, se ela ler em português ou será que não era uma compreensiva das línguas românicas. choveu lá no trópico do norte, da palavra há muito evitada em casa por conta do mau agouro. que curioso, eu não sei bem o que falar de roma porque eu não os compreendia bem. não tinha fado, a música era estranha, talvez eu não tenha nem ouvido música então. a não ser aquela que dizia frio e chiava. (lembrei-me d'outro poema agora). não tinha macarronada que não ardesse à pimenta. uma coisa aprendi, uscita lato destro, uscita lato sinistro, fonte de trevo e aquela manada de gente que não sabia nem que netuno era irmão de plutão e que jogavam moedinhas só para conseguir amor. grazie, grazie, vaticano me tentou a voltar outras duas vezes, eu vi o papa francisco mandar um alô aos brasileiros, ô raça essa desses crentes, que energia terrivelmente acolhedora, eu quase chorei ao ver o papa francisco, bem fofinho, a comida italiana é uma delícia. na terça daquela eternidade encontrei outro beletrista, este mais novo, mas de um ar velho nada tacanho tal como a cidade inteira cheirava. e eu falei desimbestadamente com ele, falei baixo, sim, mas ele ouviu bem. e eu aprendi duas coisas: ouvir é bom e ir embora também. ciao.

madá



I
amanheço como quem quer morrer
d'um mal que desde então
é uma grande admoestação. a quê?




II

em uma vida onde dar-se não basta
ando injustamente sendo gasta
ouço e vejo demais: sei de tudo
bebo e o vinho me cai bruto

quer-me má, diga, mas não sei ser
redimo-me sempre a bel-prazer
madalena arrependida na vida
aprendendo a ser maldita

quarta-feira, 26 de março de 2014

impressões laterais

I
sentamo-nos
em sequência estica
perna que o mar
invejaria

II
eu espreito
(visto o comprimento
visto o aperto)

III
resquício na nuca
te curvas
olho fundo na pele
pele de gente nova
nova, nua em sulcos
eu nunca hesitante
e tu todo
eunuco

IV
mas ao primeiro sinal
(já é quase dia
no voo, no todo)
chega-se ao final

dias lusos - dias de dom

caderninho presenteado, eis: à espera diante de Dom João IV, erro os números romanos, mas os concerto. (roma ainda não aparece). o fado ouvido alto durante a espera, durante o trajeto, 5 músicas se repetiram em 4 dias. "embora digam que é feia, cá pra mim é mais linda" canta a fadista (não a fada, apesar de ser brilhante) sobre a aldeia de só-deus-sabe-onde. sinto-me em casa. sinto-me? não, mas essa melancolia me é familiar, ao passo de que em cada passo vejo fontes que não são. nem o calçamento. as conversas convergem para ouvidos alheios, as feições eu as guardo todas. agora há sede e penso no abandono das obrigações e eu ainda estou diante de Dom João IV e distante de casa. mas esse dom fez bem à casa e a mim.
cosmopolitismo: café português, pastelaria suíça, lvso central; eis o latim. (roma ainda não aparece) latim mãe pedante: século vinte e um. aglutino de certa forma essa conjunção aditiva por hábito. vintium. parece nome de remédio de doido. aglutino pensamentos por preguiça, eu já não penso agora. essas aglutinações me são totalmente convenientes - estou só. mal posso crer em tamanha solidão. "mas está tudo tão mudado que não vi em nenhum lado as janelas que tinham tabuinhas." amália que era a mulher de verdade. o ônibus anda.
rua estefânia - epifania total. avenida da liberdade: os homens atentos, as mulheres riem (do que? (sim, faz um belo dia)).  da natureza do homem cosmopolita: bank of china. indiferença dos bichos que voam, pombos gordos (haja pão). há japão também, mas a china cá está como daninha. e árabes. e belos negros de luanda. solidão masculina se expande, corre, infiltra. solidão masculina é a mais bela das solidões. locutor tenta trazê-los à reta final com o desafio de abraços e beijinhos. suados. da excitação com a variedade (a beleza que chega a dar esperança: a beleza salvará o mundo, diz todô e dostô). da variedade corpórea - muitos beijinhos, querida (o locutor continua) - nas estátuas, na banheira de um hotel parque. submersos em uma água quente e os dedos mindinhos fritos dentro de botas, calcanhares feridos. os dias lusos, a solidão dos homens. a concentração e a vocação de cão guia dos homens do sexo masculino e o devaneio eterno das mulheres que, quando guiadas, flutuam. quando só, parecem só mais uma personagem do sofrido fado: belas, tristes e comuns em portugal.

domingo, 9 de março de 2014

termos

os termos que guardei
pra escrever um poema
perderam-se enquanto
do fazer fiz um pranto
d'uma página inteira

não mais
(é mentira)

é instinto
eu lembro os valdevinos
mas às custas de mãe
que guarda bituca e anel
pra provar que de alarido
é que se bota termo
no papel

sábado, 22 de fevereiro de 2014

de agonias

a garganta que o alho
me alivia
meu cão que chora
o entusiasmo
o farol desse carro
apagado

o sobejo é com o alho
e as mandingas de sarar

garganta que aconselha
hoje se cala
ao seguir outra receita
de ruminar cravo

(como quem traz o fumo-
no lugar do amor-
no peito e me traga)

a goela de refluxo
o estouro melhor apuro
do gole com o travo:
hoje ou morro
ou só me engasgo

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

fora

quem escreve sobre amor
toca
eu escrevo sobre minha natureza
torta
ou como, pelo sol
o aperto dos olhos,
desminto Lorca
não é de dentro:
a luz tá fora

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

ser vulto

há em mim a folga
alma em que a noite
descansa

(o sono de homem velho
uníssono
quietude de vó no crochê
virtude)

sobretudo dentre tudo
o que em mim se estoca
a poesia é o que ressobra
e me dobra
em mudez de ser só
um vulto

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O poste e O poste II

O poste

O poste vê:
sua saída
sua rotina
sua retina
seu olhar,
ao que direciona
sua pressa
O poste vê:
Milhares
de erros e
acertos e
desvios
de sexos
complexos e
afins


(Sílvia Macedo - http://sildamacedonia.blogspot.com.br/ )


O poste II

o que vê o poste
afobado quem se encoste
supõe ser da mansarada
o poste na via gasta
o poste finca a vista
em quem respira, 

quem se afoga
o poste é duro agora
posto que cinza anseia
que sem demora
o homem pare 
das copas da árvore
suas podas


(Maíra Dal'Maz)

domingo, 26 de janeiro de 2014

hodiernus II

levar uma vida mundana
com sol nas têmporas
amor nos dedos
suor entre os seios

levar a vida mundana
ser feliz sem atropelo:
com ganas de ignorância

levar a vida sem queimar as pestanas

sábado, 18 de janeiro de 2014

do verso

meu verso é de beira
piscina, penhasco
o verso é fronteira
entre o equilíbrio
e o descompasso

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

ritmo

confessional
cidade antiga
oferece-me os tais
pedaços lexicais
cujo ritmo meu
é o mesmo teu
confessionais
cheios de ais
e o cais
com tantos sons
musicais
e quanto a presença
ademais

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

sino das quatro

não mais ouço
o sino das quatro
onde estão os sinos
que me atormentavam?

era o sino das duas
(agora recordei-me)
nunca houve outro
azar dessas luas

que quando nascem
às quatro
merece aplauso
ou quadro

mori

quantas linhas
não pragmáticas
sem táticas
estas, as minhas

há horas em perigo
bebendo o que
sem nenhum trigo
vem a ser

de verdade bebida
ou um alfabeto
que assim incompleto
tragam tais linhas

linhas sem fundamento
sem conhecimento
sem pressentimento
sem crescimento

só memento
mori
e algum lamento

certo

um certo homem
cuja vida deve

um certo garoto
cuja vida lhe deve

deve ao homem
deve o homem
deve à vida
deve a vida
devemos, porém,
agradecida

domingo, 5 de janeiro de 2014

vortex

ao que se volta a ausência
do ser que continua
a se voltar ao poema
do ser que mutuamente
se volta a ausência
que se estende ao poema?

tus

aquela esperança
me toma, pois, foi tu
essa voz sempre mansa
mas, olha, descansa

foi,
o que de melhor tive,
essa coisa que alumiou.
ouvi o que tu disse
na voz de um cantor

(contanto que logo passe
música, enlace)

suposta sorte, a luz
dorme bem, me valeu a aposta
de cada noite teimosa
dos meus olhos nus

do meu peito de afagos
e de todos os seus
tus